Franquias no cinema geralmente rendem bons lucros. Adaptações também. Quando se unem esses dois elementos, o mais comum é que se tenha um grande sucesso de bilheteria – mas que nem sempre é garantia de um bom filme, cinematograficamente falando. Eis que há algumas semanas chega aos cinemas a produção Jogos Vorazes, primeira parte da adaptação de uma série de três livros da autora Suzanne Collins e, como não podia ser diferente, o filme tem tido bons (na verdade, excelentes) resultados até então. Merecidamente? Então vamos lá…
A principio, vamos à história propriamente dita: em um futuro indeterminado, surge a nação Panem, dividida em 12 distritos e uma Capital, que controla toda o país. Há décadas atrás, estes distritos se rebelaram contra o governo, mas sem sucesso. Para punir os distritos e ressaltarem seu poder e domínio, são criados os Jogos Vorazes, uma espécie de reality show transmitido para toda a nação, onde uma menina e um menino de cada um dos distritos são escolhidos e obrigados a lutar entre si até a morte. A protagonista Katniss, moradora do distrito 12 (o mais pobre e menos favorecido) se oferece para lutar no lugar de sua irmã caçula e ali a garota tem a chance de mudar sua trajetória e a de sua família.
Antes de tudo, vou deixar claro que não li à obra de Suzanne e, portanto, minha crítica aqui será exposta em relação à obra cinematográfica e não à produção literária. O filme tem sido vendido como potencial sucessor das franquias teens Harry Potter e Crepúsculo. Até certo ponto, isso fez bem ao filme, pois aguçou a expectativa dos fãs da obra de Suzanne e despertou a curiosidade daqueles que ainda não a conhecem (meu caso, por exemplo, que já saí do cinema querendo levar os livros da série para descobrir o que acontece com os protagonistas). Mas o grande mérito aqui é que Jogos Vorazes FILME consegue ser completamente independente de Jogos Vorazes LIVRO – o que, se tratando de adaptações, é um fato muito difícil de se conseguir.
A narrativa de Jogos Vorazes é didática e permite que qualquer alienado que tenha ido ao cinema e entrado na sala por curiosidade se interesse pela história e mantenha uma espécie de compaixão pela trama – tanto que ao longo de quase duas horas e meia de filme, o tempo passa tão rapidamete que, ao final, você sente vontade de continuar ali, sentado, esperando qualquer coisa que possa te trazer algum indício do que pode acontecer.
Tecnicamente, o filme também se destaca. O figurino (especialmente nas cenas da Capital, que contrasta visivelmente com os demais distritos) já é aposta para os indicados ao Oscar 2013. O visual da Capital também é algo impressionante, c0m ambientes luxuosos e extravagantes, mas nunca piegas. Além disso, a direção bem acabada de Gary Ross traz uma dosagem certeira nas cenas mais violentas do filme (elas estão lá, presentes, mas a maneira como Gary percorre com suas câmeras faz com que isso seja atenuado – o que, em tese, ajuda a adequar a classificação indicativa ao público alvo do filme).
Há alguns pontos que poderiam ser melhorados. A princípio, creio que o maior deles seja quanto à duração e divisão do filme. Eu, particulamente, não sou fã de filmes longos. Se for pra ser longo, o filme tem que ser envolvente na medida certa. E, ultimamente, Hollywood não tem feito boas escolhas de roteiristas. Mas o fato é que Jogos Vorazes mantem um ritmo que permite que o filme pudesse ser esticado alguns minutos e mais bem dividido. Praticamente, podemos dizer que o filme é dividido em duas partes: a primeira, quando os jovens são escolhidos e apresentados às regras do jogo e a segunda, que trata dos duelos em si. Enquanto a primeira parte é apresentada de forma didática e bastante compreensível, a segunda peca por ser deveras “rápida” demais. Minha visão é a de que se podia dar um pouco mais de ênfase nas batalhas, nos pequenos conflitos, nas formas de sobrevivência dos jogadores.
Outro ponto que poderia ser melhorado é a visão “romântica” (não no sentido amoroso) da heroína da história. Ela é tão boazinha (já no início do filme se oferecendo como tributo aos Jogos) e bom caráter (apesar de vencer o duelo, ela mata pouca gente) que por vezes chega a enjoar. No final, o filme mostra que a força bruta apenas não é necessária, mas também a inteligência. Tudo bem, concordo, mas essa visão tão “amigão, gente fina” da protagonista não me impressionou. Quanto às atuações, cabe dizer que todos ali cumpriram razoavelmente suas funções – mas sem nenhum grande destaque.
Outro grande mérito de Jogos Vorazes, no entanto, é conhecido pelos espectadores mais atentos ao contexto do que à história propriamente dita. Há uma crítica explícita aos reality shows que, mais do que entreter uma populaçao, controlam, manipulam seus participantes (como o sistema faz conosco?). O próprio apresentador do programa (uma espécie de Galvão Bueno, mas muito menos chato), um diretor que interfere e os estratégias de jogo dos participantes para sobreviver refletem bem a realidade dos programas atuais de televisão, levantando bandeira à esta causa (tema já abordado anteriormente no cinema, como no excelente O Show de Truman – O Show da Vida).
Jogos Vorazes FILME é infinitamente melhor do muitos outros sucessos teens. A qualidade e o cuidado com que o filme foi produzido (talvez por conta da participação direta da autora dos livros) demonstram que o filme tem potencial para agradar não apenas adolescentes virgens e pré-adolecentes chatos. Talvez o filme tenha sido vendido como tal apenas para chamar público (talvez, não – quase certeza, né? Propaganda é a alma do negócio). E conseguiu. O filme tem ido muito bem e a expectativa é que continue assim. Vendo pelo lado positivo, não há vampiros que brilham, lobisomens sem camisa, bruxinhos adolescentes… Bom, pelo menos até aqui. Vai que…
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