Ah, as expectativas… Elas sempre podem nos decepcionar – especialmente quando muito altas. Então, o que esperar de Tim Burton? Sempre algo grandioso, no mínimo – afinal, estamos falando de um diretores mais cultuados desta geração. No entanto, nem mesmo um artista como ele é capaz de acertar todas as vezes. Sombras da Noite, seu novo longa-metragem, está aí para provar que até um cineasta com o seu calibre pode errar a mão.

Os parceiros Burton e Depp nos bastidores de “Sombras da Noite”: novelão vampírico que não assusta, mas diverte…
A trama principal de Sombras da Noite nos traz Barnabas Collins (vivido pelo parceiro de Burton, Johnny Depp), um jovem rico que após partir o coração de uma bruxa (sim, ela, Eva Green), é transformado em um vampiro e condenado a passar a eternidade preso em um caixão. Quase dois séculos depois, Barnabas retorna à sua cidade e encontra sua família (fundadora da cidade de Collinspot) à beira da falência. Barnabas se vê obrigado a trazer os tempos de glória à sua prole, enquanto tenta se adaptar a um novo mundo completamente desconhecido (o filme se passa na década de 70) e reencontrar, quem sabe, seu amor do passado.
Assim, à primeira vista, tudo parece uma típica produção burtoniana. E realmente o é. Essa é a razão pela qual, particularmente, eu não entendo a razão da crítica ser tão dura com Sombras da Noite. Ok, o filme está longe de ter a magnitude de Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, ou ser o conto de fadas moderno de Edward Mãos de Tesoura. Mas tudo o que é peculiar a um filme de Burton está lá, inclusive as suas deficiências. Como em tudo o que o cineasta faz, sem exceção, Burton dá uma aula de arte. Talvez o fato de ser da geração de desenhistas da Walt Disney tenha contribuído para Tim ser obcecado pela imagem, mas o fato é que todos os detalhes são cuidadosamente trabalhados. A direção de arte é primorosa, com belas locações na Inglaterra e Escócia, e cenários que impressionam, alternando ambientes gélidos e frios com cores vibrantes que nos remetem aos primeiros trabalhos do diretor.

Talvez a melhor cena de “Sombras da Noite”: o sexo selvagem entre a bruxa Angelique e o vampiro Barnabas. Também, quem resiste a Eva Green?
No entanto, como em todos os filmes burtonianos, um problema crônico se apresenta: roteiro. Burton emprega tanto apelo visual que parece se esquecer de conduzir seus argumentos com pulso firme. Aqui, temos uma verdadeira colcha de retalhos, com várias subtramas que não cativam. Isso pode ter sido reflexo da própria obra que originou o longa, pois cabe-se dizer que Dark Shadows era uma série tipicamente novelesca, com milhões de personagens e enredos paralelos. Tudo bem esse tipo de abordagem na TV, mas no cinema nao dá certo: o espaço para criar tramas consistentes é pouco e tudo fica meio à deriva, perdido.
Logo no início, Barnabas narra sua história – de como os negócios da família foram prosperando até ser amaldiçoado pela bruxa Angelique. Depois, temos a recriação de uma cena clássica da série: a governanta que viaja de trem à Collinspot para trabalhar na casa dos Collins. Nesse início, parece que o foco central da narrativa será nesta personagem – e, no entanto, ela some e se torna algo completamente descartável. Apenas mais tarde descobrimos que ela seria a reencarnação (ou apenas alguém muito parecido) do antigo amor de Barnabas. E se você tem dúvida do tom novelesco do filme, o que dizer sobre os altos e baixos da relação entre Angelique e Barnabas? Vilã e “mocinho” tendo recaída? Até as novelas do Manoel Carlos já aposentaram isso…
O roteiro peca tanto que o filme se torna massante a partir de sua segunda metade. Nada de interessante ou relevante acontece e o longa caminha para um final meio nonsense(com fantasma, bruxa, lobisomem e vampiros, tudo junto, como na série original, assim, do nada, de uma hora pra outra). Só vale a pena ver a bruxa de Eva Green com o rosto partido e arrancando o coração do peito (bizarro, mas eu gostei…).
Até Danny Elfman, colaborador constante de Burton (só não trabalharam juntos em Ed Wood e Sweeney Todd), pareceu não estar inspirado. Trilha ruim? Não, mas também nada que se possa reconhecer e admirar. No mais, o filme se sustenta com um humor suficiente (nada genial, mas há boas sacadas – como Barnabas confundindo o ‘m’ do McDonalds com o símbolo de Mefistóteles), fotografia e arte impecáveis e as atuações de seu elenco, com Johnny Depp (que, contrariando os chatos de plantão, fez um tipo convincente, sem exageros) e, roubando a cena, Eva Green (linda e claramente inspirada na personagem Vampira, de Maila Syrjäniemi, já retratada por Burton em Ed Wood). Helena Bonham Carter está sensacional como a psiquiatra bêbada – pena que o personagem não ajudou nem um pouco. Michelle Pfeifer também cumpre bem sua função, apesar de não fazer nada eloquente.

Sem dúvidas, Angelique é uma das melhores atuações de Eva e uma das personagens femininas mais interessantes de Burton.
Não se pode dizer que Sombras da Noite é um fracasso completo. Apesar de ter uma das piores estréias de Burton, o filme (que custou cerca de US$ 150 milhões) conseguiu faturar o suficiente para se pagar. Em partes, o fiasco de bilheterias na estréia se deve a dois fatores principais. O primeiro deles é que o longa estreou nos EUA quando o fenômeno Os Vingadores estava em sua segunda semana de exibição (o que ofuscaria qualquer coisa). Depois, Sombras da Noite, cá entre nós, não teve publicidade. A Warner teria tido dificuldades para vendê-lo por conta de seu gênero indefinido, tando que só houve um único trailer, que foi apresentado há menos de dois meses de seu lançamento. Ou seja, não chamou o público ao cinema.
Como em todos os longas de Burton (e por esta razão não considero Dark Shadows um filme ruim), Sombras da Noite é um verdadeiro estudo sobre como fazer cinema. Tecnicamente falando. O roteiro, como em tudo de Burton, ainda tem altos e baixos, não há um equilíbrio. Sombras da Noite, mediano, é como uma mulher que se arruma em uma noite de sábado (põe sua melhor roupa, capricha na maquiagem, escolhe o melhor sapato e jóias) mas não sabe para onde vai ou não tem para onde ir. Simplesmente quer provar para si que pode ficar linda, independente do que os outros digam, talvez apenas para seu próprio ego. Faturar uma grana ou não é mero detalhe…
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