Xavier Dolan é um dos poucos cineastas que tiveram uma ascensão na carreira de forma tão precoce. Quando estreou, em 2009, com J’ai Tué ma Mère (“Eu Matei Minha Mãe”), o ator foi ovacionado pela crítica e público, se tornando o novo menino prodígio do cinema. Agora, aos 24 anos de idade, Dolan assina o seu quarto filme, Tom à La Ferme (que corre o risco de vir para o Brasil como “Tom Na Fazenda” – esta aí um caso de título que poderia ser mudado…), atestando definitivamente seu talento como cineasta e futuro promissor na indústria cinematográfica.
Baseada na peça de Michel Marc Bouchard (que divide os créditos do roteiro com o próprio Dolan), Tom à La Ferme acompanha o jovem publicitário Tom, profundamente abalado com a perda do companheiro, Guillaume. O jovem, então, decide viajar ao campo para o funeral do parceiro e lá descobre que a família de Guillaume ignora sua existência e a sexualidade do garoto – com exceção do irmão mais velho do rapaz, Frances, que tenta a todo custo esconder a verdade da família, obrigando Tom a se passar por outra pessoa para não causar mais sofrimentos à mãe – que, ignorante quanto ao relacionamento entre Tom e Guillaume, acredita que o filho tenha uma namorada e aguarda a chegada de sua suposta nora. Aos poucos, no entanto, Frances e Tom se veem em uma espécie de jogo que envolve ameaças e mentiras – e um pouquinho de perversão, como poderá se notar.
A ideia, em si, já é boa. Nas mãos de um bom diretor, então, fica ainda melhor. É isso que Dolan tenta fazer, mas não consegue por completo: de fato, Tom à La Ferme consegue ser um filme que prende o espectador na poltrona sem precisar de muito esforço, sem precisar reinventar a roda. O filme não traz praticamente nenhuma inovação, sendo, até mesmo, menos estilizado que seu antecessor, Lawrence Anyways (que, apesar das boas críticas, não me convenceu por completo). No entanto, o roteiro percorre por diversos gêneros (ora drama familiar, ora suspense e terror psicológico) – mas sem um rumo definido. Isso faz com que Dolan perca um pouco a mão na direção e, assim, as passagens de um gênero ao outro são frequentes, rápidas e diretas – nos dando a sensação de que alguma coisa ficou faltando e de que o filme não está muito estruturado (ou mesmo que Dolan está dirigindo dois filmes distintos e juntando partes dos dois em uma única fita).
Anos luz da estilização exagerada de Lawrence Anyways e da poesia de Les Amours Imaginaires, o ponto forte do filme é a interação entre Tom e Francis, o irmão mais velho de seu parceiro (muito menos “heterossexual” do que demonstrava ser) – que dá todo o sabor à trama. Francis é, claramente, um objeto de desejo homoerótico – e as cenas entre eles são carregadas de erotismo, mesmo as mais tensas. A cena dos dois no campo (onde ocorre uma espécie de briga) é totalmente erotizada, apesar de todo o teor violento da sequência. Isso acentua o suspense da trama e a complexidade de seus personagens, evidenciando uma tensão que deixa o espectador atordoado – afinal, Dolan deixe o espectador livre para tirar suas conclusões sobre os personagens e suas situações.
A falha nas passagens entre os gêneros, no entanto, não tira o mérito de Dolan quanto cineasta. O jovem diretor ainda consegue trazer ótimas sequências e criar um clima de tensão alucinante ao longo da trama. Há diversos pontos que devem ser considerados, como a fotografia ímpar (que já é uma constante na filmografia de Dolan) e a ótima trilha de Gabriel Yared, ligada no modo “suspense clássico” (claramente inspirada nas trilhas do mestre Bernard Herrmann – que, entre outras, só criou as faixas de Psicose, se você acha que é pouco). Isso ajuda ainda mais a criar uma atmosfera meio hitchcockiana que eleva o status do filme e nos faz até mesmo esquecer de suas deficiências.
Tom à La Ferme é, segundo alguns, um dos mais fortes indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro no próximo ano. Particularmente, acho que as chances são boas. Apesar do desfecho um tanto quanto fraco, o filme se torna uma bela surpresa ao espectador, apesar de ser meio perdido em sua jornada. É um filme onde tudo é muito bonito – exceto o próprio Dolan que, com aqueles cabelos, é personagem propício para histórias na fazenda. Talvez pelo currículo do diretor, muita gente possa até ignorar os poucos erros e exaltar apenas as muitas qualidades do filme – que, em conjunto, contribuem para a produção de um filme muito bom, mas sem um rumo definido. No final, Dolan faz, definitivamente, seu melhor filme como “obra” – ainda que seu coração não esteja tão vivo quanto em seus trabalhos anteriores. Tom à La Ferme é, definitivamente, um filme para se apreciar. Cativar é outra história…