Lars Von Trier não é apenas um cineasta. Ele é, praticamente, uma marca do cinema. Uma marca que muitos consomem com grande veemência e adoração, o que torna difícil a profunda tarefa de analisar qualquer uma de suas obras. Em Os Idiotas, de 1998, por exemplo, Lars presenteia o espectador com uma cena de sexo anal explícita que, para muitos fãs e defensores do diretor, é pura arte. Em torno de várias polêmicas, então, não seria muita surpresa a expectativa do público em torno da história de Ninfomaníaca – novo longa do diretor que estreou nos cinemas brasileiros esta semana.
Uma observação aqui se faz importante: Ninfomaníaca é um filme de cerca de 5 horas que o diretor (para atingir a demanda de sua marca) aceitou dividi-lo em dois volumes distintos e menores, sem as cenas explícitas de sexo da versão original – que teremos que aguardar até o lançamento da mídia para assistir ou, caso não chegue por aqui, importa-la para analisar as tão polêmicas sequências pornográficas.
No início do filme, encontramos a protagonista Joe jogada e machucada ao chão, em um beco frio e solitário, sob forte chuva – não se sabe ainda como, quando ou por qual razão ela está ali – , quando é socorrida pelo velho Seligman, que a leva para sua casa oferecendo-lhe ajuda. Ali, Joe assume o papel de narradora e começa a contar a história de sua vida a Seligman, ouvinte bondoso que a todo momento mostra compreensão para com a moça – que é viciada em sexo e, por talvez por esta razão, se acha um péssimo ser humano. É a partir do diálogo entre os dois que o filme se desenvolve, abrindo espaço para as aventuras de Joe desde criança (quando descobre precocemente sua sexualidade) até seus vinte e poucos anos.
Ninfomaníaca foi vendido como um filme com cenas de sexo explícito – o que, se tratando de Lars Von Trier, já renderia boas polêmicas. Quando anunciado, logo após Melancolia, os fãs do cineasta já saíram nas redes sociais soltando ideias sobre quais atores fariam parte do elenco, como seria a história e tudo mais que pudesse remeter ao filme. Quando os pôsteres e trailers foram lançados, então, houve quem esperasse que Ninfomaníaca fosse uma obra prima. O problema, talvez, tenha sido justamente isso: muita expectativa e pouco retorno – ao menos neste momento.
O filme tem um ritmo um tanto lento. Já na cena inicial, há um silêncio que incomoda – até ser interrompido pela música da banda alemã de metal Rammstein, onde o velho Lars do choque, da polêmica retorna, mas muito menos do que prometia. Lars utiliza-se de um profundo didatismo ao mostrar as passagens de vida de seus personagens – o filme é recheado de gráficos, desenhos, cálculos e outros recursos que nos deixam a impressão de que estamos diante de uma aula de anatomia no colégio. Há uma sequência onde diversos pênis são mostrados explicitamente na tela, por exemplo. No entanto, este didatismo, apesar de deixar o filme muito menos desconfortável do que se poderia supor, aumenta também o pouco apelo erótico do longa. Ao ver as cenas de sexo (que, enfatizo, não são tão chocantes assim), mesmo aos gozos e gemidos, o espectador é incapaz de se aproximar dos personagens – ou sequer, se excitar (se era esta a proposta das cenas). O espectador, de longe, cada vez mais longe, é apenas um mero observador dos fatos, uma espécie de voyeur, sem sentimentalismo barato.
Tecnicamente, não se pode dizer que o filme tenha grandes méritos. Há uma edição suficiente e a câmera de Lars consegue extrair bons momentos do elenco. Stacy Martin é Joe quando nova, sem grandes alardes ou momentos que lhe rendam algum elogio maior. Charlotte Gainsbourg faz Joe na idade adulta – e, provavelmente, terá maior espaço no volume 2 do filme. Os destaques, inevitavelmente, ficam por conta de três coadjuvantes que trazem os melhores momentos do filme: Uma Thurman, como uma jovem dona de casa abandonada pelo marido (que a deixara para ficar com Joe); Shia LaBeouf, o garoto bonitão e de mãos fortes que tira a virgindade de Joe e por um bom tempo é o seu grande “amor” (se é que este termo pode ser empregado neste filme); e, finalmente, Christian Slater, que no papel do pai de Joe, protagoniza uma das cenas mais fortes do longa.
Seria injustiça dizer que o primeiro volume de Ninfomaníaca é ruim. Esta primeira parte começa realmente a “andar” a partir de sua segunda metade, o que pode cansar muita gente – até mesmo pela falta do sexo prometido, que aparentemente virá no próximo capítulo. Esta ausência dá lugar para uma postura professoral na abordagem do sexo, ainda que envolto em um humor negro, característico do diretor. Há ainda uma série de referências com a nítida pretensão de tornar o filme “culto”: o sexo é abstraído como pesca, como botânica, como música (há até mesmo uma sugestão à sequência Fibonacci, veja você, no número de “estocadas” que Joe recebe em sua primeira transa). Julgando Ninfomaníaca – Volume 1, pode-se dizer que Lars criou um filme que, assim como pode ocorrer no sexo, as preliminares são melhores e mais prazerosas do que o ato em si. É esperar até março para ver a segunda parte e, principalmente, a versão original, sem cortes.
Finalmente assisti o vol. 1. Não sei o que dizer ainda, mas não tive essa mesma visão. Acredito que esse filme realmente não foi feito para pessoas que gostam de pornôs, embora tenha sido vendido dessa maneira.
A única coisa que posso dizer, por enquanto, é que o sexo doentio desse filme é apenas uma representação de algo maior.