Algumas pessoas já me questionaram quais são os critérios que eu levo em consideração quando avalio um filme. Confesso que essa tarefa de “analisar um filme”, para mim, é um pouco constrangedora até. Cinema é uma arte tão rica e complexa que me sinto deveras intimidado ao ter que atribuir uma nota a uma determinada produção ou classificar o trabalho de um cineasta. Mas eu acredito firmemente nisso: toda crítica está embasada em dois referenciais.
Tenho uma teoria (se é que é uma teoria, ou se é que alguém já não falou sobre isso antes) segundo a qual há duas formas básicas de se analisar um longa-metragem. Podemos analisar um filme como obra de arte e como obra de entretenimento. São duas diretrizes que podem parecer semelhantes, mas são bem distintas e cruciais (ao menos para mim) para se dizer se um filme é bom ou não. Por esta razão, esses dois aspectos devem ser manipulados separadamente quando estamos analisando uma produção – ainda que seja uma missão difícil, já que em muitas ocasiões somos levados mais por um aspecto do que pelo outro.
Quando digo que é possível analisar um filme como “obra de arte”, me refiro aqui, sobretudo, aos elementos técnicos (e teóricos, por que não dizer?) da própria arte do cinema. Quando assisto a um filme como “arte”, eu estou avaliando aqui as qualidades técnicas que tornam o filme BOM ou RUIM, do ponto de vista de cinema. Aqui, são analisados aspectos como roteiro, figurino, fotografia, edição, trilha sonora e outros pontos que são essenciais na produção. Por este motivo, é comum (ou pelo menos saudável) que aja um consenso único sobre o longa. Em outras palavras, a técnica é boa ou não. Aqui, ao menos para quem entende de cinema, o veredito é quase uma unanimidade.
Por outro lado, analisar um filme como produto de “entretenimento” é uma tarefa muito mais subjetiva e pessoal. Aqui, eu simplesmente aponto uma pergunta essencial que deve ser respondida: esse filme me agrada? Ponto, simples assim. Aqui, é onde existe (provavelmente) a interação imediata com o público: o quanto esse trabalho me agrada, o quanto essa história mexe comigo e me transforma. Logo, é comum que as opiniões sejam divergentes – e não há certo ou errado. Há argumentos, visões e sentimentos que se manifestam de acordo com o momento de cada espectador.
Pode parecer um pouco confuso a princípio, mas repare como é comum nas premiações de cinema o público sempre questionar os grandes vencedores. Isso geralmente acontece porque as organizações de cinema geralmente costumam avaliar suas produções pelo aspecto técnico – e pouco sobre a base do entretenimento. Eu não encontro um trabalho recente mais perfeito para exemplificar esta teoria do que The King’s Speech (O Discurso do Rei, 2010). O filme de Tom Hooper é, tecnicamente, perfeito. Tudo se encaixa com uma maestria. Da trilha sonora bem executada às atuações de um elenco inspirado, tudo contribui para fazer um produção excelente – que faturou o prêmio Oscar de melhor filme naquele ano. No entanto, The King’s Speech é um filme que pouco provoca o espectador, que pouco o envolve e pouco se faz envolver. Ganhou a estatueta desbancando, entre outros, Black Swan – uma obra muito mais envolvente e popular. Black Swan é um clássico moderno, enquanto o longa de Tom Hooper é apático e pouca gente reconhece – apesar do excelente apelo técnico.
Essa teoria fica muito clara ainda quando analisamos produções mais populares. Geralmente, as grandes premiações costumam esnobar filmes com maior apelo popular. O Oscar de melhor ator passou longe das mãos de Johnny Depp quando, em 2004, o ator recebeu uma indicação ao prêmio de melhor ator por seu icônico Jack Sparrow. Não vou questionar se merecia ou não tirar o prêmio de Sean Penn (por sua atuação em Mystic River), mas o ator fez um trabalho notável. Você, leitor, se lembra do personagem de Penn?
Quando falamos ainda de cinema como entretenimento, mais uma pergunta se faz necessária: qual é o propósito do filme? Afinal, analisar uma comédia é totalmente diferente do que analisar um drama, por exemplo. Cada película tem um propósito: fazer rir, fazer chorar, contar uma história, assustar, enfim… Se uma comédia me faz rir, eu digo sem problemas que é uma boa comédia e cumpriu seu propósito. Ponto. Não vou aqui analisar se a fotografia estava boa ou se a edição foi perfeita – não é o propósito do filme. Cumpriu seu papel? Beleza, é isso que importa. A técnica funcionou? Aí é outra história. Exemplo recente é o longa de Robert Rodriguez Machete. O filme é tão ruim que chega a doer nos olhos. Mas é exatamente por isso (por ser tão ruim em praticamente todos os aspectos técnicos – obviamente isso é proposital) que a história é uma delícia de se assistir, porque não há nenhum compromisso com a arte – simplesmente vamos chegar na tela e botar pra f****.
Como mencionei, essas duas análises não são as mesmas e costumam gerar resultados diferentes de crítico para crítico. Este dia me peguei discutindo com um amigo do site sobre um filme de Gus Van Sant que eu particularmente acho chatíssimo – enquanto meu colega tecia elogios a uma história que sai do nada e chega a lugar nenhum. Normal. Com pontos de vista distintos, nada mais natural que as opiniões sejam distintas também. Porém, acho que o trabalho de uma boa crítica é propiciar ao espectador a oportunidade de se observar os pontos fracos e fortes dos aspectos técnicos de uma produção e proporcionar, ainda, um momento de reflexão sobre o quanto aquele produto mexeu com ele. Tarefa difícil? Sempre, afinal inconsciente acabamos nos deixando envolver por um ou outro aspecto que favoreça nossas opiniões. O importante é deixar que o espectador seja livre para criar suas próprias impressões sobre aquele trabalho, sem levantar debates infundados quanto à qualidade de uma obra e, principalmente, sobre a opinião de quem assiste.