Os Pássaros

Há muitas obras de Alfred Hitchcock que comprovam o talento inegável do cineasta inglês, mas Os Pássaros (1963) é a que, provavelmente, mais ateste sua alcunha de “mestre do suspense”. Lançado três anos após o unânime sucesso Psicose (considerado por muitos a sua obra-prima), Os Pássaros é uma espécie de cartão de visita para os que querem conhecer o trabalho do diretor, se revelando um filme que vai muito alem do tradicional suspense.

Estrelada por Tippi Hedren e Rod Taylor, a trama de Os Pássaros é, relativamente, simples. Uma jovem rica vai até a pequena e isolada cidade de Bodega Bay, na Califórnia, a procura de um rapaz por quem se interessara em São Francisco. Ao chegar à pacata região, ela não apenas se aproxima do homem e sua família, mas presencia também um fato bastante incomum: pássaros das mais variadas espécies começam a atacar a população, causando pânico nos moradores locais.

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Para o espectador que lê uma sinopse superficial como esta, é possível que Os Pássaros se aproxime muito mais de um “terror” do que necessariamente um “suspense”. Obviamente, esses dois gêneros são bastante próximos, mas não são iguais. Definitivamente, Os Pássaros é um filme que não “assusta”, no sentido próprio da palavra – mas incomoda, causa desconforto, agonia e faz com que o público se contorça na cadeira com suas sequências aterrorizantes de perseguição e ataque. Isso só é possível por conta do ótimo roteiro de Daphne Du Maurier e Evan Hunter, que mantém um equilíbrio ao oscilar cenas de ação com períodos mais calmos (mas não menos estimulantes, como os diálogos que ajudam a construir a história e estender o pânico causado nas sequências de histeria).

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Do ponto de vista técnico, Os Pássaros é ainda mais surpreendente – afinal, como levar às telas de cinema, no início da década de 60, a história de uma cidade atacada por pássaros ferozes? Há inúmeros boatos que envolvem esta produção – mas sabe-se que Hitchcock teria contratado uma equipe especial para treinar as aves para o ataque (inclusive, Hitchcock, devido a problemas com a protagonista, não teria dito o tradicional “Corta!” durante a gravação de uma cena em que a personagem de Tippi é atacada pelos animais – o que teria custado à moça alguns dias no hospital). Em muitos momentos, as aves eram filmadas (em alguns deles, réplicas foram utilizadas, inevitavelmente) e as imagens eram sobrepostas a outras películas, criando três camadas na tela. Em uma cena, por exemplo, Tippi está dentro de uma cabine telefônica (1ª camada), enquanto pássaros sobrevoam o local (2ª camada) em plena luz do dia (3ª camada) – na verdade, foi usada uma pintura a óleo para tal paisagem. Essas três camadas sobrepostas, em tela, ficam tão bem sincronizadas que o espectador quase chega a acreditar que o cenário é totalmente real. Mais um ótimo aspecto técnico a ser mencionado é a maquiagem utilizada, que para a época era de uma realidade fora do comum. Conta-se que Tippi até mesmo teria vomitado ao se olhar no espelho quando maquiada para uma cena em que era atacada tamanha a qualidade da técnica (nem mencionei o homem que é morto pelas criaturas ferozes e tem os olhos arrancados da cabeça – algo que impressiona em um filme da década de 60).

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Outro ponto que merece um destaque especial é a total ausência de trilha sonora. Se em Psicose a música de Bernard Hermann é essencial para criar todo o clima de terror da trama, em Os Pássaros o silêncio musical predomina. Ou melhor, ele é crucial para as sequências de ataque. A edição e mixagem de som é uma das mais primorosas experiências já vista no cinema, transmitindo toda a tensão indispensável à história. Os gorjeios dos animais e seus bicos em contato com a madeira causam uma aflição pungente em quem assiste. Não há músicas nos créditos iniciais ou finais, somente ruídos dos pássaros enquanto a narrativa se desenrola. Em compensação, o suspense não diminui: cada cena, por si, é importante para o bom desenvolvimento da história e seus personagens – interpretados de forma competente por um elenco sem grandes notoriedades. Os Pássaros também foi um dos primeiros filmes a abandonar o clássico “the end” ao final de sua exibição: aqui, a imagem simplesmente esmaece enquanto nossos personagens saem da cidade (o que deixa uma sensação de “o que virá depois?” que nunca vem e faz com que o suspense aumente).

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Mas se engana quem assiste a este clássico apenas como um suspense comum. Ao longo de suas duas horas, Os Pássaros é um filme com certo teor “apocalíptico”, que concentra seu foco não em explicar a origem dos eventos, mas simplesmente no caos. Sim, Os Pássaros é caos puro – e este estado é imprescindível para que Hitchcock possa alcançar o que tanto deseja: criticar o homem e seu convívio com as demais espécies. As aves aparentemente não tem nenhum motivo para atacar quem quer que seja, assim como os homens – mas elas o fazem. Alguns personagens, em certo momento, acreditam que seja algum tipo de “vingança”, mas Hitchcock não perde seu tempo levantando teorias a respeito. Com uma técnica impressionante para o ano em que foi lançado, Os Pássaros talvez hoje possa não causar um impacto tão forte como na época. Em uma Hollywood que aposta cada vez mais alto em efeitos especiais mirabolantes, talvez tampouco seria tão assustador se refilmado com uma tecnologia mais atual. O brilhantismo desta obra está em sua simplicidade, criatividade e, principalmente, na forma genial como Hitchcock consegue contar sua história explorando o medo humano e sua fragilidade diante do caos.

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