The Square – A Arte da Discórdia (The Square)

Não é difícil entender os motivos que levaram The Square a faturar a Palma de Ouro em Cannes nesta sua última edição. Já nos primeiros minutos do novo filme de Ruben Östlund (do excelente Força Maior, de 2014) o espectador já tem a consciência de estar diante de uma obra bastante singular e provocante, seja pelo humor mordaz ou pelo desconforto.

O protagonista é Christian, praticamente um modelo daquilo que seria um “homem ideal” contemporâneo: ele é belo, inteligente, com uma carreira bem sucedida, culto, se veste bem – enfim, o tipo que chama a atenção por onde passa. Ele é o curador de um museu de arte moderna na cidade de Estocolmo que está prestes a lançar uma nova exposição: “The Square”, um espaço físico delimitado por um quadrado no chão, onde as pessoas são “convidadas” a ajudarem uma às outras promovendo, assim, suas cidadania e solidariedade.

Mas seu próprio senso de cidadania e solidariedade são ameaçados quando, em uma manhã qualquer, Christian é surpreendido por uma jovem na rua fugindo da agressão de um homem. Christian prontamente a protege e, junto a um outro pedestre, impede o pior. Bela atitude, não? Só que não demora muito para ele perceber que sua carteira, celular e abotoaduras (de família, é bom frisar) foram roubados. Pois é, ele foi vítima de um golpe. A partir daí, é só ladeira abaixo.

The Square é uma crítica social a partir da observação comum e direta de um personagem em uma determinada situação (ou conjunto delas), mesmo quando levada ao absurdo. O próprio Östlund fez isso em Força Maior, ganhando o Prêmio do Júri em Cannes daquele ano. The Square não é, de fato, uma comédia, mas abusa de sequências cômicas para cutucar as feridas em suas múltiplas camadas, de maneira incrivelmente sutil, quase imperceptível em alguns instantes. As críticas, entretanto, não são tão simples. The Square satiriza, por exemplo, a prepotência da burguesia e o falso sentimento de solidariedade (afinal, ajudamos o outro porque enxergamos sua necessidade ou para não nos sentirmos culpados por não ajudar?). A tolerância liberal também é abordada: em uma sequência controversa, um senhor com Síndrome de Tourette interrompe o debate de um artista famoso, mas ninguém ousa falar nada – afinal, ele é a pobre vítima de uma doença. O racismo estrutural também é presente quando, por exemplo, Christian hesita ao invadir um prédio e sugere ao seu funcionário que o faça. O funcionário? Negro.

Mas talvez a discussão mais perceptível que The Square traga é quanto à velha questão: o que é arte? Um vídeo no Youtube pode ser considerado uma obra de arte capaz de chocar? Um punhado de granito no chão que acidentalmente foi removido pode ser reposto? Na cena icônica de The Square (em minha modesta opinião, uma das mais incríveis no cinema em tempos), um homem perambula como macaco em meio a um salão requintado repleto de milionários filantropos e artistas. Apesar da violência da performance, ninguém se manifesta – quem teria coragem de dizer que aquilo não é arte para parecer inculto diante dos demais? Vemos a arrogância e o ar de superioridade da classe artística. O que se segue é arrebatador e faz de The Square um dos melhores filmes do ano até aqui – daqueles que provocam seja pelo humor repleto de ironia ou pelo incômodo que causa e que muitas vezes é a única coisa que nos faz realmente refletir.

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