Imagine você descobrir depois de décadas que seus pais foram integrantes do bando de Virgulino Ferreira, o temido Lampião? Os filhos do casal José Antonio Souto e Jovina Maria da Conceição passaram exatamente por esta experiência quando os pais, quase centenários, revelaram à família suas verdadeiras identidades: Antonio Inácio da Silva e Durvalina Gomes de Sá – ou melhor, Moreno e Durvinha, sobreviventes do grupo do matador nordestino.
Este é o fio condutor de Os Últimos Cangaceiros, o ótimo documentário do cineasta Wolney Oliveira que, muito mais do que contar a saga de um simples casal de “bandidos”, traz à tona também um pedaço da história do país, cujo cenário é o cangaço na região nordestina na primeira metade do século XX. Recorrendo a um rico acervo, formado por depoimentos inéditos e trechos de filmes famosos do nosso cinema (como O Cangaceiro, de Lima Barreto, A Mulher no Cangaço e Baile Perfumado), o diretor amplia as revelações do casal, estendendo seus segredos familiares e retornando a um importante período histórico brasileiro.
Moreno, que faleceu em 2010 aos 100 anos, foi um dos últimos homens do bando de Lampião, assim como Durvinha, que faleceu dois anos antes do esposo. O filme retrata como os dois ingressaram na trupe de Virgulino: ele, optou se bandear após ser humilhado por policiais locais; ela, cansada do pai, decidiu ir atrás de um outro cangaceiro. Após uma vida de crimes hediondos (que não são amenizados no documentário), os dois adotaram novas identidades e foram viver na capital mineira. Os Últimos Cangaceiros percorre ainda vários estados (Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), o que enriquece o registro.
É interessante analisar o casal no decorrer da fita: se os dois fugiram escorraçados quando jovens, os ex-cangaceiros retornaram às terras por onde andaram e foram saudados como heróis, inclusive reencontrando um filho que abandonaram ainda criança. Os Últimos Cangaceiros é um registro rico em detalhes, cujo maior mérito é a boa utilização de seu material. Isso torna o documentário muito mais do que um registro pessoal, mas também um documento importante de nossa história.