Criaturas do Senhor (God’s Creatures)

Quando Brian (Paul Mescal) retorna ao pequeno vilarejo irlandês à beira-mar onde vive sua família (após passar uma longa temporada na Austrália), um mal-estar é causado. Além de chegar em meio ao enterro de um morador local, percebemos de início que algo não está totalmente resolvido entre aqueles familiares. A única a reagir com certo entusiasmo é Aileen (Emily Watson), sua mãe – enquanto os demais demonstram total desconforto com o rapaz. A própria relação com o pai, por exemplo, é nitidamente problemática.

Criaturas do Senhor, dirigida pela dupla Anna Rose Holmer e Saela Davis, é um drama psicológico cujo enredo trata sobre nossas escolhas e seus impactos a nossa volta, nos fazendo questionar nosso próprio senso de certo ou errado. O filme (que caminha a passos lentos em sua primeira parte, quase insuportáveis) sofre uma reviravolta quando Brian é acusado de um crime – e a mãe, para acobertar o filho, cria um falso álibi. Entretanto, essa mentira causa uma ruptura naquela família – e um estrago ainda maior naquela comunidade.

O filme possui uma atmosfera bucólica, ressaltada tanto por sua fotografia (predominantemente em tons terrosos, com alguns traços mais frios – especialmente azulados) quanto por sua trilha sonora – dissonante, é verdade, mas curiosamente bem adequada à proposta. Abusando de longas notas executadas em cordas, em inúmeros momentos ela complementa o próprio som ambiente, como se quase uma extensão dele.

Infelizmente, Criaturas do Senhor é prejudicado por seu ritmo arrastado: nada relevante acontece até a metade da obra – o que vemos são apenas pequenas cenas individuais que compõe aquele cenário familiar, mas que não ajudam a elucidar qualquer fato (por exemplo, nunca sabemos ao certo quais os motivos levaram Brian a sair da cidade e o porquê do desprezo de sua família). Quando a história começa a se desenrolar, a estrutura narrativa busca algumas soluções fáceis, quase flertando com um suspense, mas sem profundidade para ir além de sua superfície. Aos poucos, Aileen se dá conta de que o filho não demonstra qualquer arrependimento por seus atos. É aí que o roteiro aposta em um desfecho drástico, quase destoando de tudo o que tivemos até então. A cena final é repleta de simbolismo: soa como uma libertação de Aileen de algo muito maior, mas que infelizmente não consegue ser bem desenvolvido ao longo da história.

A Esposa de Tchaikovsky (Zhena Chaikovskogo)

“Ah, não é nada, acontece…”, diz o clérigo quando a chama da vela do noivo se apaga durante o casamento. “Esse jantar pareceu um enterro…”, revela a irmã da noiva pouco após a cerimônia. “Fuja dele”, adverte um amigo ao saber da união. Tudo indicava que o matrimônio de Antonina e Pyotr Tchaikovsky, compositor russo mais prestigiado de todos os tempos, estava fadado ao fracasso desde o início. Mas nada fora tão claro quanto as próprias palavras do gênio da música ao receber a proposta: o amor entre eles seria apenas fraterno.

O título “A Esposa de Tchaikovsky” não é à toa: o filme de Kirill Serebrennikov concentra sua narrativa no tumultuado relacionamento do casal, limitando sua protagonista feminina, porém, ao status único de esposa do compositor. Pouco sabemos sobre sua vida pregressa, sua família, sua formação, sua história; como espectadores, só temos acesso a essa personagem a partir do momento em que esta conhece o artista e se apaixona por ele (de forma quase irracional). Isto se evidencia na câmera do cineasta, cujo foco primordial é a atriz Alyona Mikhailova (excepcional em sua performance): ela domina o frame, o que inevitavelmente faz com que vejamos a história a partir de seu ponto de vista. Tchaikovsky, por sua vez, quase sempre está fora do quadro, de costas ou em algum canto mais taciturno. É como se o diretor optasse por deixar sua genialidade de lado, inclusive dispensando qualquer obra completa do musicista em sua trilha (o que pode frustrar os fãs da música clássica que entrarem no cinema pensando tratar-se de uma cinebiografia do artista).

Ambientado na Rússia no último quarto do século XIX, “A Esposa de Tchaikovsky” possui uma belíssima fotografia predominantemente em tons escuros, recorrendo ao jogo de luzes e sombras mais difusas – e que representam o estado de espírito da protagonista. Além disso, há alguns planos mais longos, que captam das expressões mais pungentes de seus personagens aos cenários irretocáveis da película. Aliás, a cenografia reconstitui bem o período, com a recriação de espaços lúgubres e ruas infestadas de pedintes e doentes, todos abandonados à sua própria sorte. A trilha sonora, por sua vez, desempenha um papel importante com a constante tensão de cordas e pianos, acentuando a conturbada relação entre aqueles personagens. Essas características técnicas são, a meu ver, as mais relevantes na composição da história como um todo, já que são essenciais para a representação de uma Rússia mergulhada no obscurantismo e que reflete, sob certo aspecto, a conduta daqueles indivíduos.

O filme não se debruça exclusivamente sobre os fatos em si; pelo contrário, o roteiro trilha seu caminho com total liberdade poética, inclusive recorre a inúmeras metáforas para expressar as obsessões e delírios daquela mulher. Não há muitas explicações; apenas acompanhamos aqueles personagens rumo à decadência – o que corrobora ainda mais a ideia de que eles são produtos de seu meio, a sociedade mencionada anteriormente. O que não é muito difícil de se compreender: se em pleno século XXI, a Rússia ainda nos parece uma nação parada no tempo em seus aspectos sociológicos, imagine o caos social deste país naquele período tomado pela insatisfação e a melancolia.

Gutland (Gutland)

O alemão Jens Fauser é um misterioso forasteiro que acaba de chegar a uma pequena aldeia em Luxemburgo, onde tenta recomeçar sua vida (e se esconder das autoridades) após participar de um assalto. Embora haja uma resistência inicial dos moradores, Jens consegue um emprego na colheita local, onde conhece Lucy, a filha do prefeito da cidade. À medida que aprofunda sua relação com a garota e se integra à comunidade, Jens descobre que não é o único com um passado tenebroso a esconder.

Dirigido por Govinda Van Maele e representante oficial de Luxemburgo ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Gutland  é uma obra de suspense cujo suspense não chega necessariamente a ser seu maior trunfo. Na verdade, o roteiro do cineasta, em parceria com Razvan Radulescu, busca evocar um clima de mistério mas, apesar da boa tentativa (favorecida pela fotografia campestre, bucólica, idílica, que capta os costumes daquela região tanto nos planos gerais externos quanto nas tomadas internas) não consegue, de fato, chegar a um resultado conclusivo. Tudo é muito vago – e não sabemos dizer se é devido à falta de desenvolvimento do argumento ou simples intenção do diretor em apresentar uma proposta que estimulasse mais o espectador (o que só funciona até certo ponto da história). Apesar da competência do protagonista de Frederick Lau, do carisma de Vicky Krieps (de Trama Fantasma  e O Jovem Karl Marx) e do aspecto noir  da fita, Gutland  é um filme do qual se espera muito, mas entrega-se pouco, não obtendo tanta relevância dentro da produção luxemburguesa atual.

Malila: A Flor do Adeus (Malila: The Farewell Flower)

Drama tailandês pré-selecionado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Malila: A Flor do Adeus  narra o reencontro de dois ex-amantes unidos, até certo ponto, pela dor do luto: enquanto Pitch (que sofre de câncer terminal) perdera a mãe, Shane lamenta a morte da filha e o casamento fracassado.

Dirigido pela cineasta transexual Anucha Boonyawatana, Malila  é um filme repleto de simbologia, especialmente por tratar questões ligadas a tradições orientais (os próprios Baisri, arranjos florais feitos por Pitch em seus últimos dias, possuem um grande significado para aquela cultura) – o que, fatalmente, pode dispersar o espectador menos acostumado. Além disso, a fita sofre com seu ritmo arrastado e ausência de diálogos, especialmente a partir de sua segunda metade, quando um dos personagens parte em uma jornada espiritual, como se em busca de absolvição. A estrutura narrativa também se mostra confusa: não temos muita noção de tempo, lugar, duração, principalmente durante as cenas entre os dois amantes, já que eles perambulam pra lá e pra cá, em meio à paisagem campestre, como se para promover um estágio de contemplação que, na verdade, não é tão estimulante. Para piorar, a fotografia apagada contribui muito ao clima monótono da obra.

No entanto, é válido ressaltar que, apesar do roteiro aparentemente desalinhado, Malila  é uma história sobre o amor eterno, daqueles que nem a morte é capaz de separar: o relacionamento entre Pitch e Shane transcende o corpo material, atingindo o espírito (que é perene). O filme sugere que dois espíritos, quando se amam verdadeiramente, de alguma forma estarão sempre unidos – tanto na vida quanto na morte. É uma pena, portanto, que a execução de Malila  não seja das melhores, o que impede que a experiência promovida seja mais satisfatória.

Culpa (Den Skyldige)

Em uma delegacia dinamarquesa, o policial Asger Holm está cuidando das chamadas de emergência daquela noite. Prestes a encerrar seu turno, Asger recebe uma ligação: uma mulher acabara de ser sequestrada. Quando a chamada é subitamente interrompida, o policial inicia uma desenfreada corrida contra o tempo para descobrir a identidade dos envolvidos e salvar a vida daquela mulher. Tendo o telefone como seu único recurso, aos poucos Asger percebe que o crime que tem a resolver é muito maior do que parece.

Pré-indicado da Dinamarca ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Culpa  é um excepcional thriller cujo maior triunfo está na precisão com o qual o estreante Gustav Möller utiliza pouquíssimos elementos para criar um clima de tensão surpreendente, sem que o filme soe repetitivo – isto porque temos em tela praticamente um só personagem, além do fato de toda a narrativa se desenvolver em único ambiente: a delegacia de polícia. Diferente do que podemos esperar do gênero (onde a imagem é fundamental para inserir o espectador dentro da história), aqui somos estimulados a imaginar a ação, especialmente por conta do excelente trabalho de edição de som (diálogos, ruídos, silêncio), que sugere muito aquilo que está do outro lado da linha, mesmo que na tela não vejamos nada além da figura de Asger, um personagem com um conflito bem estabelecido e que é muito favorecido pela eficiente performance de Jakob Cedergren. A fotografia e edição também colaboram muito à atmosfera pretendida: a câmera do diretor aposta em inúmeros close-ups e planos detalhes, o que aumenta a tensão e faz com que o espectador, assim como Asger, queira desvendar o crime o mais rápido possível, com as diversas situações ocorrendo em tempo real. Todas essas características fazem de Culpa  uma obra ousada e provocante, daquelas que não deixam o espectador desgrudar os olhos da tela – e acreditar também que nem tudo é o que parece ser.

Nasce Uma Estrela (A Star is Born)

Em sua estreia como diretor, Bradley Cooper apostou em um projeto que não tinha como dar errado: o remake  do clássico Nasce Uma Estrela  (o quarto, para ser mais exato), um filme descaradamente feito sob medida para Lady Gaga. A trama, que acompanha o relacionamento conturbado entre o astro do rock Jackson Maine e a jovem cantora Ally, caiu como uma luva para ser a Lady Gaga o que Evita  foi para Madonna, praticamente um presente de Cooper com um bilhete dizendo “Toma, Gaga, vem cá, vamos esfregar seu talento na cara dos haters, ok?”.

E, de fato, a cantora (e agora atriz) não decepciona: Gaga chama o filme pra si. Não que a personagem exija muito dela, mas a artista tem um carisma inegável – isto sem mencionar os dotes musicais já conhecidos pelo público. Aliás, a trilha sonora de Nasce uma Estrela  é irretocável: Shallow, por exemplo, carro-chefe do longa, é até aqui uma das favoritas ao Oscar de melhor canção no próximo ano. Gaga até ofusca o protagonista de Cooper que, com sua barba e cabelos desgrenhados, entrega uma atuação no máximo mediana, destacando-se, sobretudo, na parte vocal. Juntos, felizmente, a dupla mantém uma química interessante em cena.

O roteiro, no entanto, carrega uma forte carga melodramática, algo que em décadas anteriores até soava bem – hoje nem tanto. A forma como o argumento desenvolve os personagens enquanto “artistas” é desestimulante, especialmente na segunda metade da fita, com a decadência de Jack (destinada desde o início, o que não permite ao espectador digerir essa transição) e a ascensão de Ally (que, no ato final, nada mais é do que uma paródia da própria Lady Gaga). Assim, as melhores sequencias de Nasce Uma Estrela  são os momentos de diálogos e intimidades entre o casal e um ou outro número musical mais empolgantes. No conjunto da obra, este Nasce Uma Estrela  é um filme sonora e visualmente bem executado, mas que não passaria de uma produção genérica não fosse o apelo da história e, claro, os astros que a estrelam.

Assunto de Família (万引き家族)

O que é mais forte: o laço afetivo ou aquele de sangue? Este certamente é o questionamento que passa por nossas cabeças ao assistir Assunto de Família, drama do japonês Hirokasu Koreeda (de Pais e Filhos, 2013) sobre um núcleo familiar “informal”, formado às margens da sociedade.

Osamu (Lily Franky) é o chefe de uma família aparentemente tradicional, mas que aos poucos revela suas idiossincrasias. Sem trabalho fixo, ele vive de pequenos furtos ao lado do filho Shota (Jyo Kairi), enquanto sua esposa, Nobuyo (Sakura Andou), se reveza entre os afazeres domésticos e um emprego modesto. Eles dividem a humilde residência com a avó Hatsue (Kirin Kiki) e a jovem Aki (Mayu Matsuoka) e, apesar das dificuldades, estes membros rejeitados de outras famílias parecem viver em harmonia. A rotina do lar, no entanto, é afetada com a chegada de Yuri (Miyu Sasaki), uma garota resgatada das ruas com evidentes sinais de maus tratos.

Ao longo de suas duas horas de projeção, Assunto de Família  traça o cotidiano destas pessoas, fazendo com que o espectador se torne também parte da família. O cineasta (experiente em histórias sobre famílias) não presta julgamento moral algum aos seus personagens, o que permite ao público manter certa simpatia por eles. Mais do que isso: apesar de não concordarmos com suas atitudes, somos capazes de compreender suas motivações, algo que só é possível a partir do momento em que temos sensibilidade suficiente para nos colocar no lugar do outro.

O desfecho da narrativa, entretanto, pode parecer ambíguo à abordagem do diretor: curiosamente, o que afeta a paz desta família não são agentes externos a ela, mas o conflito pessoal do pequeno Shota, quando este passa a questionar o estilo de vida que levam. A partir daí, tudo no longa passa a acontecer rápido demais (em oposição à introdução um tanto lenta), o que não compromete o conjunto da obra, felizmente. Ainda que melancólico, Assunto de Família  é um filme que, sobretudo, nos possibilita olhar para o próximo com empatia e, assim, acreditar no outro e no poder do amor.

Pixote: A Lei do Mais Fraco (Pixote: A Lei do Mais Fraco)

Rodado em plena ditadura militar no país, Pixote: A Lei do Mais Fraco  é um dos filmes mais relevantes do nosso cinema e certamente a obra mais significativa da filmografia do argentino Hector Babenco, antecipando temas que dialogariam com outros de seus trabalhos mais notáveis, como O Beijo da Mulher-Aranha  e Carandiru. Narrado sem a tradicional linearidade “começo-meio-fim”, Pixote  é um retrato cruel e indigesto do cotidiano de miséria, de abandono e violência de um garoto de apenas onze anos, que nunca conhecera os pais e sobrevive de pequenos delitos nas ruas da capital paulista. Após um período de confinamento em um reformatório (algo como a antiga FEBEM – Fundação Estadual Para o Bem Estar do Menor, hoje Fundação Casa), onde presencia estupros, espancamentos, corrupção e assassinatos, Pixote escapa da instituição ao lado de outros jovens infratores e adentra de vez no universo do crime.

Eu vi um menino correndo. Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino…
Eu pus os meus pés no riacho e acho que nunca os tirei…

Apesar do lirismo em alguns momentos (como na cena em que um dos meninos canta trechos de “Força Estranha” ou na sequência final, quando Pixote suga o seio da prostituta Sueli – a irrepreensível Marília Pêra), Pixote  é um filme que produz asco como, de fato, precisava ser ao se tratar um tema tão horripilante. É interessante notar, no entanto, o carinho com o qual as lentes de Babenco capturam esses personagens, fazendo com que o público, ainda que não goste deles, é verdade, aceite que eles existem no mundo real e precisam ser ouvidos. Pixote  é ousado ao tocar nesta ferida de forma tão crua e, assim como seu protagonista, sem o menor lampejo de esperança, em uma radiografia franca sobre uma minoria esquecida e sem perspectivas, que lançaria seu idealizador ao estrelato do dia para a noite. Infelizmente, neste caso, a vida imita a arte: Fernando Ramos da Silva, o intérprete de Pixote, retornaria pouco tempo depois à favela e ao crime, sendo assassinado por policiais em 1987, com apenas 19 anos. Pixote  é, sim, uma obra suja, feia e intragável em sua natureza e, justamente por isso, é tão necessária ao trazer à luz uma realidade tão negligenciada.

Carnívoras (Carnivores)

A rivalidade entre familiares e a trama com duplos são os temas de Carnívoras, longa dos irmãos estreantes Jérémie e Yannick Renier. A propósito, há algumas semelhanças entre os dois cineastas e as protagonistas de Carnívoras: enquanto Jérémie (o mais novo) ficou conhecido por atuar em inúmeros filmes de sucesso, Yannick possui uma filmografia bem mais modesta como intérprete. O mesmo quase acontece com Mona (Leïla Bekhti) e Samia (Zita Hanrot): enquanto a primeira sempre sonhara em ser atriz, é a caçula quem alcança o prestígio na profissão. Forçada a morar com Samia, Mona vê de perto a irmã levar a vida que tanto almeja  – e a inveja, claro, é inevitável. Fragilizada, no entanto, por um personagem que exige muito dela, Samia entra em um profundo desespero que faz com que a jovem passe a negligenciar seus papéis como profissional, esposa e mãe – funções essas que passarão a ser assumidas pela irmã mais velha.

Um dos destaques da última edição do Festival Varilux, Carnívoras  é um filme conduzido às rédeas curtas, evidenciando a preocupação de seus idealizadores em “não errar” – o que, infelizmente, também é um erro. A impressão que se dá é que o filme está a ponto de engrenar a qualquer instante, mas isto não chega a acontecer: pelo contrário, em alguns momentos é nítida a quebra de ritmo, o que torna Carnívoras  um título um tanto irregular. A obviedade na construção das personagens é outro ponto que faz com que não tenhamos tanta empatia por elas: enquanto Mona é a personificação da mulher pudica, reservada e tímida que se esconde atrás do figurino recatado e dos enormes óculos de grau, Samia é a intempestividade em pessoa, com seus cabelos esvoaçantes e o sex appeal  exalando – em duas representações totalmente estereotipadas da mulher contemporânea. Mesmo as reviravoltas da trama não são suficientes para provocar a curiosidade do público, já que as limitações impostas (ainda que inconscientemente) por seus diretores impedem Carnívoras  de ser um filme mais interessante e marcante, apesar do potencial para isso. Fica-se apenas um thriller  genérico que, apesar da cinematografia promissora, não consegue ir além de um entretenimento mediano.

Medo Viral (Bedeviled)

O terror é um gênero que tem rendido bons títulos nos últimos anos. Um Lugar Silencioso recebeu inúmeros elogios de público e crítica, enquanto Corra!, com todo louvor, recebeu quatro indicações ao Oscar, inclusive para melhor filme – isto apenas para citar exemplos recentes que sustentam a tese de que o terror possui um vasto repertório de ideias que, quando bem executadas, podem surpreender. Medo Viral, longa dirigido pelos irmãos Abel e Burlee Vang, é mais um exemplar que reflete, inclusive, uma tendência do mercado: explorar tecnologia e o mundo virtual em suas tramas, uma aposta que mira claramente no público mais jovem (fatalmente, o que mais consome cinema na nossa atualidade).

A premissa de Medo Viral pode parecer, a princípio, um tanto surreal: após a morte de uma garota em circunstâncias desconhecidas, um grupo de amigos recebe o convite para acessar um estranho aplicativo (semelhante ao Siri, do IOS). Aos poucos, a natureza sinistra do app se revela e estes adolescentes passam a ser perseguidos por uma entidade maligna capaz de reconhecer os medos mais profundos de cada um deles e, assim, assusta-los até a morte.

O problema de Medo Viral é que ele se apropria de inúmeros clichês do gênero, mas ao mesmo tempo é incapaz de ser um filme “sério”, parecendo muito mais uma sátira a este tipo de narrativa, já que, na prática, ele não consegue assustar. As soluções encontradas acabam sendo fáceis, quase sem lógica alguma e fatalmente previsíveis, recorrendo a recursos usados à exaustão em outras fitas e carecendo do óbvio: o terror gráfico, quase sempre off screen. Com isso, os sustos servem mais para quebrar a pouca tensão que o roteiro cria, fazendo com que o terror em si fuja do gênero. Apesar do nítido esforço em homenagear os grandes clássicos (há, por exemplo, a apropriação do balão vermelho do Pennywise), Medo Viral não vai além de uma obra de pouca relevância, daquelas que podem até servir como entretenimento para um fim de noite mas nada além disso.