Assim é a Vida (C’est La Vie)

É curioso o fato de que Assim é a Vida tenha chegado tão timidamente aos cinemas brasileiros, mesmo carregando nos créditos os nomes de Eric Toledano e Olivier Nakache – os parceiros de roteiro e direção responsáveis por Intocáveis, a maior bilheteria francesa da história. Felizmente, essa nova produção da dupla é uma das gratas surpresas do ano, uma deliciosa comédia contemporânea capaz de divertir o espectador sem subestimar sua inteligência. A trama relativamente simples acompanha um dia de trabalho de Max (Jean-Pierre Bacri), um promotor de eventos que tem a difícil missão de organizar um casamento badalado, realizado em um castelo francês do século XVIII.

Entretanto, a equipe de Max não é lá muito profissional – e nessas condições, surgem vários personagens com suas respectivas vicissitudes: a gerente do buffet que arranja confusão com todos os empregados; um animador com o ego inflado; o noivo cheio de manias; o garçom maluco que se passa por convidado para “cantar” a noiva; o fotógrafo que abusa do estagiário e só se preocupa em encher a barriga. Enfim, conforme o tempo passa e a festa se desenrola, os problemas surgem e caberá ao “multitarefas” Max resolve-los e entregar ao exigente casal uma noite dos sonhos.

Assim é a Vida apresenta arcos e soluções muito interessantes: há alguns estereótipos do gênero, é verdade, mas o filme não se limita a isso; pelo contrário, existe um equilíbrio, nada é em excesso. Além disso, pequenas tramas paralelas vão acontecendo e dão certo alívio à narrativa principal, abrindo espaço suficiente para que os personagens em cena sejam desenvolvidos de maneira satisfatória.

Mas há um ponto importante a ser mencionado: há quem diga que a comédia é um gênero de filme que não exige muito tecnicamente. Assim é a Vida, no entanto, nos surpreende por ser brilhantemente bem executado: a direção com um ótimo timing cômico (muito valorizada pelas grandes atuações do elenco); a fotografia iluminada e cheia de vida de David Chizallet, que praticamente nos insere dentro da festa; a edição que constrói um ritmo muito mais dinâmico à fita; a trilha sonora muito bem escolhida e orquestrada – todos estes elementos tornam Assim é a Vida um longa muito agradável. Arriscaria dizer que, levando em consideração o desafio cinematográfico de então, Assim é a Vida é ligeiramente superior ao sucesso Intocáveis, dado principalmente o desafio do pequeno espaço cênico que concentra uma quantidade razoável de tipos – esses, por sua vez, que refletem muito bem (como em poucas outras produções) a pluralidade da sociedade francesa atual e globalizada. Assim é a Vida, dessa forma, é a grande comédia do ano – daquelas que a gente não vê tão fácil por aí…

Samba (Samba)

Eric Toledano e Olivier Nakache encantaram plateias em todo o mundo quando, em 2011, lançaram o praticamente unânime Intocáveis – filme que logo se tornaria a maior bilheteria francesa de todos os tempos. A história da improvável amizade entre um milionário tetraplégico e seu auxiliar de enfermagem negro emocionou o público e levantou, ainda que timidamente, uma questão problemática: a situação de inúmeros imigrantes na França, que batalham diariamente por sua sobrevivência. Samba é a nova produção da dupla de cineastas e aprofunda um pouco mais este tema polêmico, que parece estar em evidência nos últimos dias.

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Samba (Omar Sy) é um imigrante senegalês que vive na França há 10 anos – e desde então vem se mantendo no país com a ajuda do tio idoso (com quem divide moradia) e trabalhando em lugares que pagam pouco e não oferecem a ele muitas oportunidades. Para encontrar um emprego melhor, a solução seria conseguir os documentos necessários para se estabelecer definitivamente no país – mas este sonho está a cada dia mais distante. O destino, no entanto, lhe reserva uma fortuita surpresa: seu encontro com Alice (Charlotte Gainsbourg), uma executiva que devido ao estresse, tenta reconstruir sua vida e saúde como voluntária em uma espécie de ONG.

Samba é um filme necessário – principalmente em um momento em que a França escancara ao mundo seu desprezo pelos imigrantes. Samba, assim como seu antecessor Intocáveis, procura estabelecer sua narrativa a partir das diferenças sociais que dividem (e corrompem) a capital francesa. Os dois protagonistas são símbolos desses contrapontos: ele, um imigrante à procura de um lugar ao sol, mas vê seu mundo cair a cada dia diante de sua rotina, seja nos empregos precários ou na hipocrisia da justiça parisiense; ela, por sua vez, é representante típica da classe média ocidental, esgotada por conta de um capitalismo famigerado, as jornadas de trabalho estafantes e seus consequentes malefícios.

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Os protagonistas de Samba se completam sob certa forma. É interessante notar, porém, que o roteiro nos conduz a todo instante ao desenvolvimento de uma tensão romântica que nunca chega, de fato, a acontecer; o espectador aguarda o grande momento mas, do contrário do que se poderia imaginar, ele não se frustra quando o mesmo não ocorre justamente porque cada personagem é desenvolvido e acompanhado dentro do seu meio de forma bastante particular. Além disso, há alguns alívios cômicos que, se não chegam a arrancar gargalhadas do público, ao menos servem para pontuar sequências mais leves e descontraídas.

As comparações entre Samba e Intocáveis seriam inevitáveis. Talvez o único grande problema de Samba é nitidamente a maneira como o filme tenta nos levar a compra-lo como uma excelente obra, enquanto Intocáveis, por sua vez, era grandioso naturalmente, sem forçar a barra. Com atuações que não chegam a ser memoráveis e algumas cenas com reconhecido valor, Samba funciona mais como cinema para debater do que necessariamente para entreter. Resumindo: o filme é capaz de promover algumas discussões mas está longe de ser algo memorável para o público comum.