Paz Para Nós em Nossos Sonhos (Peace to us in Our Dreams)

A primeira cena de Paz Para Nós em Nossos Sonhos nos transporta à uma típica igreja lituana, onde um concerto musical acontece sob os olhares atentos de uma elegante platéia. Aos poucos, entretanto, a harmonia do número musical se esvaece enquanto a violinista tem uma crise nervosa, tocando fora do compasso e rindo compulsivamente até chegar às lágrimas.

Silencioso, Paz Para Nós em Nossos Sonhos não é muito esclarecedor. O público desconhece os personagens (sequer seus nomes são revelados) e seus respectivos dramas. No entanto, é interessante notar o quanto a narrativa instiga a curiosidade do espectador (Quem são essas pessoas? Qual a ligação entre elas? O que aconteceu para chegarem a este estado?). Quanto menos sabemos, mais emergimos na história – e por essa razão, o filme de Sharunas Bartas se torna cada vez mais subjetivo, proporcionando inúmeras suposições que nunca são totalmente elucidadas.

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O que contribui muito para tornar o filme ainda mais agradável é o primor técnico com o qual foi concebido. Logo de início, fiquei fascinado com a exuberante fotografia do longa e a forma como o diretor se utiliza dela. Enquanto os planos detalhes capturam com certa agonia os rostos e silhuetas dos personagens, os planos abertos esboçam com propriedade a estonteante paisagem local, com um eficiente trabalho de som que consegue completar todo o vazio da narrativa – que, aliás, merece um destaque devido ao seu minimalismo. Paz Para Nós em Nossos Sonhos pode até ser dividido em duas partes. Na primeira dela, mais lenta, o silêncio predomina e o som e edição da fita são imprescindíveis para a história. Você praticamente ouve o vento batendo nas folhas das árvores ou sente a chuva cair sobre o seu rosto. Já na segunda metade, os diálogos são ligeiramente mais extensos, especialmente na construção de um dos tipos masculinos, que parece ser uma espécie de “oráculo” das figuras femininas à sua volta – a musicista, uma adolescente, uma visita inesperada. Ele ouve com certo pesar todas as lamúrias dessas mulheres e embora a conversa não provoque um resultado prático, parece que só isso é necessário – como se apenas o fato de nos “abrirmos” com alguém pudesse nos acalmar.

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Então, Paz Para Nós em Nossos Sonhos cresce ainda mais. O ser humano não consegue encarar muito bem algumas verdades inevitáveis. Nossa vida é construída pelo que já passamos e o que ainda vamos passar – e é preciso enfrentar isso com certa lucidez, dar nossas caras à tapa, assumir nosso passado. Pautado pela sutileza, se Paz Para Nós em Nossos Sonhos é minimalista em sua essência, o filme é grandioso nas reflexões que concede ao espectador. Esteticamente belo, Paz Para Nós em Nossos Dias é uma das experiências mais incríveis que o cinema produziu nos últimos anos, se revelando assim uma verdadeira obra-prima.