Já em 2006, com seu belíssimo Em Paris, o cineasta Christophe Honoré (uma das maiores revelações do novo cinema francês) flertava com o gênero musical na cena em que um casal separado dialoga musicalmente ao telefone. Aparentemente, essa cena era uma espécie de prévia do que estava por vir em seu filme seguinte, Canções de Amor, um musical inspirado repleto de romantismo e tragédia.
Antes de mais nada: abandone os preconceitos com o gênero: sempre podemos ser surpreendidos com bons musicais. E aqui, o estereótipo de musical norte-americano (com suas personagens cantando, pulando, dançando alegres e saltitantes e tudo mais…) passa longe. As músicas se adequam à proposta do longa – o que não deixa o filme se tornar cansativo ou que sua trama soe surreal como em muitos produtos do gênero. O filme apresenta o cotidiano de Ismael (o galã francês Louis Garrel) e sua namorada Julie (a ótima Ludivine Sagnier) que vivem um romance a três com Alice (vivida por Clothilde Hesme). No entanto, essa relação é interrompida por uma tragédia: a morte de Alice. No decorrer da história, Ismael conhece o jovem Erwann, que se apaixona pelo jornalista e tenta seduzi-lo.
As músicas são o grande ponto forte da obra, pois conseguem transmitir os sentimentos honestos e espontâneos de suas personagens – o que Honoré sabe bem como capturar com sua lente. Interpretadas pelos próprios atores (que mais sussurram do que necessariamente cantam), as canções escritas por Alex Beaupain tornam Canções de Amor um “filme popular com canções”, como sugeriu o próprio diretor na época de lançamento. Beaupain (que perdeu a namorada na vida real antes de escrever as canções para o filme) conseguiu traduzir em poemas as experiências turbulentas sobre o amor dentro de um estilo pop moderno que torna Canções de Amor apaixonante.
Rodado na capital francesa, Honoré ainda consegue criar mais um personagem: sua própria Paris que, em pleno outono e recheado de cores cinzentas, chuvas e devaneios, é o cenário ideal para a história desse grupo de amantes que tudo o que mais desejam é simplesmente amar. O amor na visão de Honoré é tratado sem condicionalismos, sem falsos moralismos. O amor não deve ser pensado, racionalizado ou colocado dentro de uma caixinha e ser exibido como um prêmio. Na proposta do diretor, as pessoas simplesmente amam – e isso basta. Talvez essa visão possa incomodar a platéia um pouco mais conservadora, afinal o musical ganha um tom abertamente homoerótico a partir de sua segunda metade – e curiosamente, a melhor sequência do longa advém da noite de amor entre dois personagens masculinos. Esse divisor de águas na história trará os melhores conflitos da trama e as mais conturbadas experiências aos personagens. Aliás, após a morte de Julie, o filme é dividido em três partes: a partida, a ausência e o regresso – referência explícita ao processo pela qual Ismael irá passar a partir daí.
Canções de Amor é, dessa forma, um filme onde nada é gratuito. Honoré diz, ainda que de forma não direta, que as relações foram feitas para ser vividas e não explicadas. Não há julgamentos, não há certo ou errado – há apenas as expressões do amor em sua mais pura forma. Assim, Canções de Amor não é apenas um belo produto de entretenimento aos olhos e ouvidos, mas também uma reflexão moderna sobre o amor romântico em nossa sociedade.