Beira-Mar é o primeiro longa dos diretores Felipe Matzembacher e Marcio Reolon, que chega hoje aos cinemas brasileiros após ser ovacionado em algumas exibições internacionais, como na 65ª edição do Festival de Berlim. A trama segue o adolescente Martin, em uma viagem ao litoral do Rio Grande do Sul para resolver uma situação familiar, acompanhado de seu melhor amigo, Tomaz. Imersos em um universo particular, o confinamento será essencial para reaproximar os dois e permitir que eles descubram um pouco mais de si mesmos.
Na verdade, Beira-Mar é um singelo porém eficiente retrato de nossa juventude contemporânea: suas dúvidas, prazeres, descobertas, escolhas. Ou seja, não há nada ali que já não tenha sido explorado em outras produções do gênero, inclusive nacionais – aliás, à primeira vista, pode parecer que Beira-Mar é um típico filme a tratar um romance adolescente gay (até porque a sinopse pode enganar um pouco). O que faz com que Beira-Mar se sobressaia é sua narrativa intimista, equilibrada (por vezes um tanto lenta), praticamente sem nenhum grande clímax. Isso distancia Beira-Mar de um mero filme adolescente, tornando-o uma experiência cinematográfica interessante e necessária – apesar também de afastar o público mais jovem que, fatalmente, pode se cansar com o tom introspectivo da obra (especialmente aqueles que esperam apenas uma sucessão de episódios homoeróticos ou sexuais sem fundamento – o que, felizmente, não acontece aqui).
Os planos, em geral, são mais abertos, valorizando a fotografia predominantemente em cores frias e proporcionando um estado contemplativo à obra; por sua vez, os planos mais fechados são essenciais para ressaltar o intimismo daqueles personagens. O ritmo que segue também contribui para este estado de “contemplação”, uma vez que os diálogos são abertos – quando não, é o silêncio que comunica com bastante sutileza (e é responsável pelas melhores sequências da fita). Esse ritmo (ou a falta dele) é importante para transmitir toda a inquietação dos dois amigos, como se algo estivesse pra acontecer a qualquer momento entre eles, em uma visível tensão homoerótica que é logo estendida ao público. A escolha dos atores não poderia ter sido melhor: Mateus Almada e Maurício José Barcellos estão ótimos em seus papéis, passando segurança e intimidade em suas performances. Enquanto o primeiro carrega pungemente no olhar as incertezas em relação a tudo que está à volta de seu personagem, o segundo é de uma delicadeza ímpar, sem cair no estereótipo. Talvez é justamente ele quem passe por maiores nuanças ao longo da projeção e o crescimento de seu tipo é visível e muito bem vindo.
No entanto, Beira-Mar não é isento de falhas e encontramos a maior delas no roteiro. Para além do didatismo de algumas cenas (por exemplo, ao explicitar que os garotos estão isolados em uma casa à beira-mar – pra quê?), o roteiro peca em alguns momentos que pouco acrescentam à história ou mesmo na trama paralela que envolve Martin e sua família, onde tudo soa um tanto confuso e sem explicação. Mas o que realmente diminuiu Beira-Mar, a meu ver, é seu desfecho. Eu diria que o filme possui três sequências finais bem definidas – a última, inclusive, que mostra Martin se banhando no mar, é riquíssima e puramente metafórica, assim como quando ocorre o pequeno grande clímax da película: o beijo entre os amigos. Mas entre essas duas, há um trecho que, sinceramente, é desnecessário e enriqueceria muito mais o filme se fosse extinto, pois permitiria que o público criasse hipóteses devido ao grau de subjetivismo que proporcionaria (apesar de a cena ser visualmente impecável e bem executada). A dupla de jovens cineastas optou por encerrar a narrativa com uma solução, no mínimo, fácil – e, não, isso não é moralismo de minha parte, mas uma opinião baseada nas emoções que o filme me despertou. Assim, Beira-Mar perde muito da magnitude que poderia alcançar, tornando-se uma obra de valor inestimável, porém incapaz de ser memorável.