Um Limite Entre Nós (Fences)

Um Limite Entre Nós não possui exatamente uma trama em formato “tradicional”, com começo, meio e fim. No decorrer de suas mais de duas horas de duração, acompanhamos a vida do truculento Troy Maxson (Denzel Washington), um lixeiro negro na Pittsburgh da década de 50, cuja maior ambição naquele instante é deixar a traseira do caminhão de lixo para se tornar motorista – cargo que naquela época era destinado exclusivamente aos brancos.

Mas Troy é um homem ressentido – e aos poucos vamos descobrindo alguns fatos de seu passado não muito distante que contribuíram para isso. Quando tinha seus 30 e tantos anos, o protagonista viu o sonho de se tornar um jogador de beisebol profissional fugir de suas mãos – e hoje ele reprime o desejo de seu caçula em seguir carreira no esporte, além de desprezar a profissão do filho mais velho: um musicista de jazz falido. A única pessoa que parece se divertir com suas histórias é Rose Lee (Viola Davis), sua esposa devotada que além de cuidar da casa é capaz de fazer o marido voltar atrás em suas atitudes mais explosivas ou não pensadas.

Dirigido pelo próprio Denzel, Um Limite Entre Nós é a adaptação da peça Fences, de August Wilson – um sucesso na Broadway que o próprio ator chegou a encenar há alguns anos. O longa, de fato, é quase uma extensão do texto teatral: rodado praticamente em um único cenário e com longos diálogos. A impressão que o público tem a todo momento é a de que está vendo ali uma peça de teatro filmada, o que pode dispersar a atenção do espectador menos acostumado com este tipo de narrativa – especialmente em seu primeiro ato, onde há muita verborragia e monólogos que, a princípio, não agregam tanto à história.

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Entretanto, é aos poucos que Um Limite Entre Nós se desenvolve: o filme cresce com intensidade, às vezes de forma até mesmo cruel e dolorosa – e é aí que a câmera do cineasta se torna ainda mais discreta, com uma edição que prioriza muito o desempenho brilhante de seu elenco. Denzel é soberbo na pele de Troy, nos entregando uma de suas performances mais espetaculares (e não fosse a supremacia de Casey Affleck por seu Manchester à Beira Mar, certamente o Oscar de melhor ator seria dele). Viola Davis, por sua vez, faz jus ao prêmio de melhor coadjuvante: com uma personagem completa de sentimentos contidos, a entrega da atriz é impressionante. É interessante observar o contraponto entre as duas atuações: enquanto o ator impõe sua voz potente ao soltar cada palavra, Viola traz emoção. Em seu olhar, em seus gestos e expressões, nas lágrimas que surgem – Viola nos despeja todos os sentimentos de Rose sem medo ou pudor. E novamente a edição da fita se aproveita disso a favor do filme, deixando as cenas fluírem de maneira tão natural como se, de fato, estivéssemos observando essas pessoas como se em uma quarta parede.

Assim, amparado quase que completamente pelo irretocável trabalho de seu casting, Um Limite Entre Nós é um retrato cru da comunidade negra norte-americana dos anos 50, delineado em um drama que não mede esforços para realçar todo o aspecto teatral do material que o originou. E este pode ser um de seus problemas: ao tentar aproximar o filme daquilo que seria uma peça de teatro, Um Limite Entre Nós pode se tornar monótono ao longo de seu desenvolvimento, afinal teatro e cinema não são a mesma coisa. Com isso, é no carisma de seu elenco que a obra encontra seu maior triunfo, tornando Um Limite Entre Nós um filme poderoso como trabalho cinematográfico e necessário como estudo social.

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