Há intérpretes que são excepcionais para os tipos insanos, perturbados ou alucinados. Joaquin Phoenix é um deles: quanto mais “tresloucado” seu personagem, parece que mais intensa é sua atuação, fazendo com que o ator porto-riquenho se dispa de qualquer vaidade e vício e embarque profundo em sua loucura. Logo, Phoenix foi a escolha perfeita para dar vida a Joe, um sofrido veterano de guerra que vive com a mãe debilitada e trabalha quase que anonimamente libertando garotas traficadas para o comércio sexual. Em uma de suas melhores atuações (e esnobado em muitas premiações), Phoenix é, definitivamente, a força motora de Você Nunca Esteve Realmente Aqui, novo filme de Lynne Ramsay.
Verdadeiro estudo sobre a mente de Joe, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é um filme perturbador em seu minimalismo, assim como Precisamos Falar Sobre o Kevin (obra mais conhecida da cineasta). A violência aqui não é totalmente explícita, mas ela consegue alcançar o espectador de forma muito contundente, causando um desconforto que nos desequilibra. Muito desta sensação é mérito de sua impecável trilha sonora (provavelmente com alguma inspiração tarantinesca) e da primorosa fotografia, que tornam a atmosfera do longa bastante “pesada”, fazendo-nos sentir exatamente a angústia e melancolia de Joe. Aliado a um roteiro muito bem escrito, esses elementos são essenciais para que, em apenas uma hora e meia, tenhamos uma aula completa sobre desenvolvimento de um personagem. Existem até algumas comparações com Taxi Driver, de Scorsese – e, de fato, essa relação não é de tudo vã.
Entretanto, justamente por ser tão rico na construção de seu protagonista, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é um bocado cansativo, já que é minucioso em seus detalhes. Alguns trechos também soam confusos, especialmente quando recorrem às lembranças de Joe (que são jogadas sem muito critério e, em um primeiro momento, parecem não ter conexão alguma). O filme ganha bastante quando nosso (anti)herói descobre estar envolvido em uma conspiração política capaz de colocar em risco sua própria vida – e aqui temos as melhores sequências da obra. Você Nunca Esteve Realmente Aqui vai além de um thriller psicológico: é uma observação da mente de uma personagem atormentada, à beira do caos. Favorecido por uma atuação acima da média e uma direção segura e competente, Você Nunca Esteve Realmente Aqui não é para qualquer um, é verdade; mas para os que se propuserem, vale muito a pena.