Rodado em plena ditadura militar no país, Pixote: A Lei do Mais Fraco é um dos filmes mais relevantes do nosso cinema e certamente a obra mais significativa da filmografia do argentino Hector Babenco, antecipando temas que dialogariam com outros de seus trabalhos mais notáveis, como O Beijo da Mulher-Aranha e Carandiru. Narrado sem a tradicional linearidade “começo-meio-fim”, Pixote é um retrato cruel e indigesto do cotidiano de miséria, de abandono e violência de um garoto de apenas onze anos, que nunca conhecera os pais e sobrevive de pequenos delitos nas ruas da capital paulista. Após um período de confinamento em um reformatório (algo como a antiga FEBEM – Fundação Estadual Para o Bem Estar do Menor, hoje Fundação Casa), onde presencia estupros, espancamentos, corrupção e assassinatos, Pixote escapa da instituição ao lado de outros jovens infratores e adentra de vez no universo do crime.
Eu vi um menino correndo. Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino…
Eu pus os meus pés no riacho e acho que nunca os tirei…
Apesar do lirismo em alguns momentos (como na cena em que um dos meninos canta trechos de “Força Estranha” ou na sequência final, quando Pixote suga o seio da prostituta Sueli – a irrepreensível Marília Pêra), Pixote é um filme que produz asco como, de fato, precisava ser ao se tratar um tema tão horripilante. É interessante notar, no entanto, o carinho com o qual as lentes de Babenco capturam esses personagens, fazendo com que o público, ainda que não goste deles, é verdade, aceite que eles existem no mundo real e precisam ser ouvidos. Pixote é ousado ao tocar nesta ferida de forma tão crua e, assim como seu protagonista, sem o menor lampejo de esperança, em uma radiografia franca sobre uma minoria esquecida e sem perspectivas, que lançaria seu idealizador ao estrelato do dia para a noite. Infelizmente, neste caso, a vida imita a arte: Fernando Ramos da Silva, o intérprete de Pixote, retornaria pouco tempo depois à favela e ao crime, sendo assassinado por policiais em 1987, com apenas 19 anos. Pixote é, sim, uma obra suja, feia e intragável em sua natureza e, justamente por isso, é tão necessária ao trazer à luz uma realidade tão negligenciada.