Acho engraçado quando leio por aí que os últimos trabalhos de Hitchcock não foram muito empolgantes. Tudo bem, depois de Os Pássaros, de 1963, o cineasta não criou nada muito original ou grandioso, mas ainda assim temos que admitir que seus filmes subsequentes não são, de fato, ruins como a maioria argumenta – apenas um entretenimento menor. Cortina Rasgada, lançado três anos após o clássico hitchcockiano citado anteriormente, pode não ser o melhor exemplar da carreira de Alfred mas, se analisado isoladamente, consegue agradar ao público muito mais que grande parte dos “pipocões” americanos da atualidade.
O cenário político nunca foi uma temática muito presente na filmografia de Hitchcock, que só destacou essa vertente em seus filmes “propaganda” realizados durante a Segunda Guerra Mundial. Mas mesmo nessas obras, o tom político das histórias soava muito raso, dando maior espaço para os dramas e, claro, o suspense que consagraram o mestre. Em Cortina Rasgada, o cenário da Guerra Fria só se manifesta para que Hitchcock crie seu tradicional estilo, através da trama do cientista americano Armstrong, em viagem a Copenhagen para um congresso de físicos ao lado de sua noiva e assistente Sarah. Em território dinamarquês, Sarah descobre que o noivo está de malas prontas para a Alemanha Oriental, atrás da Cortina de Ferro (durante o período da Guerra Fria, trata-se da divisão da Europa em duas partes: Europa ocidental e oriental, com influências políticas divergentes), na tentativa de levantar fundos para um projeto rejeitado pelos EUA. Mesmo frustrada com a traição do futuro marido ao seu país, Sarah não pensa duas vezes e decide seguir o amado.
Vou fazer uma confissão: já tentei assistir a fita por três vezes – e dormi logo nos primeiros quinze minutos. Talvez, por uma grande coincidência, eu estivesse apenas cansado ou passando por dias ruins, mas é um fato: Cortina Rasgada é um filme lento e arrastado. Apesar de promover algumas boas ideias, não há como negar que o ritmo da história e sua duração prejudicam um pouco o resultado final. Outro ponto que também colabora para a sensação de morosidade da narrativa é o casal de protagonistas, vividos por Paul Newman e Julie Andrews. Seus personagens são totalmente desestimulantes: enquanto Armstrong trata sua parceira com total indiferença e arrogância, Sarah é ainda mais irritante ao abaixar a cabeça diante do tratamento grosseiro do noivo, seguindo-o para todo lado e considerando-o o homem mais incrível do mundo. Ou seja, a empatia com o público não se cria – e é o excelente trabalho de direção de Alfred que salva Cortina Rasgada do fiasco total.
Hitch consegue despertar o interesse pela narrativa, acertando na divisão do filme em três atos, cada um mostrado através de uma perspectiva distinta. O primeiro momento, sob a visão de Sarah, onde o mistério predomina – já que ela não sabe os planos de Armstrong. O segundo ato, quando descobrimos que o personagem de Newman está traindo sua pátria é marcado pelo suspense característico de Hitch, tomando conta de toda a história. E, finalmente, a ação que se desenvolve já na última parte da fita. Essa construção é fundamental para que o público não se disperse por inteiro, apesar de alguns quadros monótonos que ameaçam o roteiro e só são suportáveis porque Hitchcock nos presenteia com algumas cenas formidáveis. Entre elas, é obrigatório citar a sequência do assassinato, tão verdadeira que é lembrada até hoje como um dos pontos mais brilhantes da carreira do diretor – que argumentava que “tirar a vida de alguém é algo muito difícil”, diferente do que se via em Hollywood. Outra cena de tirar o fôlego é a longa perseguição, já na última parte, onde Hitchcock com total destreza manipula a narrativa para aumentar ainda mais a tensão da fuga dos protagonistas – especialmente a sequência dos ônibus (que merece simplesmente ser vista e não apenas comentada aqui).
Cortina Rasgada é um bom thriller de espionagem e perseguição, mas com qualidade inferior a que estamos acostumados quando mencionamos o nome Hitchcock. Tecnicamente, a produção continua sendo eficiente, com exceção, talvez, da trilha de John Addison, que substituiu o velho Bernard Hermann (conta-se que Hermann teria escrito o roteiro original do filme que, após inúmeras alterações, marcou o fim da parceria entre o compositor e Alfred). Apesar de possuir os protagonistas mais insossos da carreira do cineasta, Cortina Rasgada mostra (assim como os grandes clássicos de outrora) o domínio do diretor em sua mise-en-scène, carregando muitos artifícios que são indispensáveis na obra hitchcockiana.