Nana é uma jovem parisiense como tantas outras na década de 60. Outrora casada e mãe de uma criança (por quem ela aparentemente pouco se importa), ela abandona a família para buscar o sonho de ser uma atriz de sucesso. Mas a nova vida não é fácil: para se sustentar, a moça tem de trabalhar como atendente em uma loja de discos. Com o salário pequeno e afundada em dívidas (chegando até a ser expulsa de casa por não pagar o aluguel), Nana precisa de dinheiro – e para conseguir a jovem decide se prostituir. É quando ela reencontra uma antiga amiga, que a apresenta a um homem que acaba se tornando seu cafetão, abrindo uma passagem progressiva e sem retorno ao mundo da prostituição.
Com direção e roteiro assinados por Jean-Luc Godard, Viver a Vida é considerado um dos trabalhos mais fáceis do cineasta – praticamente um cartão de visita de um diretor que divide opiniões (há quem o considere um gênio, há os que o chamam de “chato” sem medo). Segmentado em doze atos distintos, cada um deles traz consigo as palavras-chaves do episódio em questão, o que ajuda a compor a narrativa e evitar surpresas nas ações (não que isso, obviamente, torne o filme previsível). Os diálogos, no entanto, são carregados de fundamentos filosóficos – nitidamente, por exemplo, é possivel enxergar inúmeras referências a Bertold Brecht no decorrer da fita, além de diversas passagens com reflexões existencialistas sobre a percepção do homem sobre si mesmo diante da realidade que o cerca.
A caracterização de Anna Karina (que durante anos foi musa absoluta de Godard) é bastante eficiente. Ela é fria, seca, direta com tamanha precisão que é impossível criarmos qualquer tipo de compaixão por sua personagem. É interessante analisar seu perfil sedutor no decorrer da trama: quase uma femme fatale com tamanha frieza, porém carregando uma melancolia e tristeza no olhar que contrapõe tal imagem. Curiosamente, dizem as más línguas que a atriz não teria aprovado o produto final, chegando a afirmar que Godard a havia deixado propositalmente “feia” – o que, de longe, é pura fantasia, já que Anna está estonteante em cena e nós, como telespectadores, temos o mesmo olhar de Godard sobre sua musa: encanto e mistério, ambos lado a lado, tornando Nana um tipo deliciosamente indecifrável.
A expressão francesa “vivre sa vie” (que dá título ao longa) é quase uma tradução literal do que temos à nossa frente. Há quem afirme que Godard não faz filme para os meros mortais – e, sim, isso fica claro em alguns momentos, onde o cineasta traz suas arrastadas discussões filosóficas, seus atores fora do plano ou de costas para o público ou mesmo com o foco em um personagem enquanto o outro fala. Mas Viver a Vida é um retrato frio e indigesto da prostituição, com uma visão sob certo aspecto “voyeurística”, como se nós mesmos, espectadores, estivéssemos manejando a câmera – sensação extendida pela ótima fotografia em preto e branco de Raoul Coutard, velho parceiro de Godard. Em suma, Viver a Vida poderia ser um dramalhão daqueles, mas nas mãos de um gênio como Jean-Luc se tornou uma das obras mais significativas de sua vasta e cultuada carreira – um filme indispensável.