Filmes que dialogam com a literatura costumam ser atraentes. François Ozon, por exemplo, entregou em 2013 sua obra-prima Dentro da Casa, amplamente elogiado pela crítica e considerado uma das melhores produções daquele ano. Estrelado por Fabrice Luchini, o longa de Ozon flertava com a narrativa literária ao abordar o caso de um professor de língua francesa obcecado pelos textos de um de seus alunos. Com um personagem com caráter voyeurístico bastante próximo, Luchini é um dos protagonistas de Gemma Bovery: A Vida Imita a Arte, comédia dramática da cineasta Anne Fontaine que, como o título sugere, faz uma referência à obra máxima de Gustave Flaubert.
Quem narra os acontecimentos do longa é Martin Joubert (Luchini), padeiro local que vive tranquilamente com sua família em uma pequena e pacata região da Normandia. Preso a um relacionamento morno e sem muitas novidades, a vida de Martin ganha mais sentido com a chegada de Gemma Bovery (a atriz Gemma Arterton), uma decoradora inglesa que muda-se para a vizinhança com seu marido Charles, um restaurador de peças de arte. Entediada com a rotina do casamento, não demora muito para que Emma se lance aos braços de outro homem – enquanto Martin (em um misto de voyeurismo e paixão) acompanha de longe os passos da jovem.
Gemma Bovery propõe a união entre cinema e literatura através dos destinos de suas personagens, uma alusão óbvia à leitura de Madame Bovary, prosa escrita por Flaubert em 1857 e que foi um escândalo na época de sua publicação. É interessante a forma como a trama é conduzida: por um lado, os acontecimentos nos levam a imaginar um possível romance entre Emma e Joubert – e chega a ser quase frustrante o surgimento de uma terceira pessoa; por outro lado, o argumento não é capaz de desenvolver muito bem seus personagens – com exceção do próprio Joubert. O espectador que não conhece o romance talvez sinta-se um tanto perdido com as referências lançadas ao longo da película; no entanto, Gemma Bovery nos oferece, enquanto cinema, um ótimo trabalho de direção de arte e fotografia, que contribui muito para criar alguns bons momentos, que vão do sensual (não exagerado) ao cômico. Com um desfecho incomum, o tom leve e delicado fazem de Gemma Bovery um filme que está longe de ser impecável, mas não deixa de ter seu valor como produto cinematográfico.