De Cabeça Erguida (La Tête Haute)

De Cabeça Erguida, novo filme de Emmanuelle Bercot, abriu a 68ª edição do Festival de Cannes, em maio deste ano. O longa foi a primeira produção de uma mulher a abrir o evento em 30 anos e, apesar de não ter provocado muito entusiasmo em sua exibição para a imprensa, trata-se de um projeto ambicioso que mistura documental e ficção, resultando um trabalho indispensável na filmografia de seus idealizadores.

A trama acompanha a vida do jovem Malony, dos 6 aos 18 anos de idade. Com um histórico familiar totalmente desfavorável, Malony se torna um delinquente juvenil com temperamento desequilibrado, dividindo seu tempo entre pequenos crimes e internações em centros de correção e reformatórios, onde cumpre pena por seus atos. Nesse período, o adolescente é acompanhado por uma juíza e um professor, que tentam ajudar o garoto a buscar um novo (e melhor) rumo em sua vida.

02

O roteiro basicamente se estende sob as inúmeras tentativas da juíza e o tutor em apoiar o rapaz. Malony comete um delito, recebe uma punição e um novo ciclo se inicia – e isso acontece várias vezes ao longo do filme. Dessa forma, não existe nenhum clímax na história – mas sim pequenos episódios, todos praticamente com essa mesma estrutura. No entanto, é interessante notar que, ainda assim, a narrativa não se torna entediante. Pelo contrário: conforme o filme avança, o espectador se sensibiliza com o protagonista, mesmo detestando seus atos. É como se ele próprio estivesse disposto a dar uma nova chance ao problemático Malony. Talvez isso se dê também por conta da atuação competente do novato Rod Paradot, uma explosão de sentimentos em cena. Ele chora, xinga, sente raiva de tudo e todos, esbraveja, tem ataques de histeria – mas desperta a comoção do público, como se quem assistisse quisesse lhe estender a mão, pois sabe que ele realmente precisa de uma mudança.

A personagem da juíza, no entanto, deixa um tanto a desejar. Interpretada pela musa francesa Catherine Deneuve, sua construção não me pareceu muito firme. Talvez essa lacuna no desenvolvimento dessa persona seja uma forma de manter um certo distanciamento entre ela e Malony – afinal, ela é uma juíza e tem de ser racional, não importam as circunstâncias. Por sua vez, Sara Forestier consegue dar bastante humanidade à mãe do garoto, uma viciada em drogas incapaz de cuidar dos filhos e que não tem a menor noção da realidade perigosa em que ele está inserido. É ela quem ajuda a pontuar na trama a vida destrutiva de Malony: o universo do menino é inteiramente perdido, devastado, sem perspectivas; ele é apenas um produto do seu meio.

01

Apesar de ter momentos sombrios, o filme nos propicia sempre uma ponta de esperança – e o desfecho, a cena final em si, tem uma beleza e significado ímpares. Apesar de não ser impecável, De Cabeça Erguida proporciona uma visão crítica da criminalidade na juventude, ressaltando o papel dos educadores na transformação dessas vidas e sugerindo também a importância da família na construção da personalidade do indivíduo. De Cabeça Erguida chega aos cinemas como um filme capaz de gerar bons debates e fazer pensar – em suma, uma produção necessária que há anos não tínhamos.

Publicidade

Um pensamento sobre “De Cabeça Erguida (La Tête Haute)

  1. É verdade que cada um tem sua opinião. Mas dizer que a personagem da juíza não foi bem construída. Vc mesmo se contradisse, ela sempre teve entre a cruz e a espada, a misericórdia e a justiça. Isso se chama amor exigente!

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.