O Reencontro (Sage Femme)

A premissa é relativamente conhecida: uma pessoa do passado retorna repentinamente à vida de alguém para se redimir e acertar suas contas. No caso de O Reencontro, filme de Martin Provost, é a parteira Claire que vê sua rotina pacata virar de cabeça para baixo com a chegada de Beatrice, a ex-amante de seu pai que acaba de descobrir um câncer em estágio avançado.

O Reencontro é uma comédia dramática que, embora não traga algo novo, faz valer a pena devido às atuações de seu par central: as ótimas Catherine Frot e Catherine Deneuve, musas do cinema francês pela primeira vez juntas em cena. Frot é delicada na composição de Claire: com quase 50 anos, tímida e ressentida, sua existência se resume ao trabalho, o filho Simon (o gracioso Quentin Dolmaire) e a horta que cuida com zelo. Já a Beatrice de Deneuve é o oposto: extravagante, ela não perde a chance de tomar um bom vinho, cair na jogatina ou tirar proveito de alguma situação. A narrativa traz momentos opostos na vida destas mulheres: se Beatrice – que sempre vivera de forma glamorosa e plena – aos poucos se definha, Claire lentamente passa a viver para si e não apenas para os outros.

Com sacadas de humor ácido pontualmente inseridas no decorrer de suas duas horas, O Reencontro não é simplesmente uma trama sobre os fantasmas do passado. É também um drama que explora as reações de suas protagonistas diante de mudanças tão inesperadas. Às vezes é preciso reconhecer a hora de “descer do salto”, assim como é importante nos impormos diante de determinadas situações e assumir o controle, saindo do status de “espectador” e passando a ser o protagonista de nossa própria história. Narrado de maneira inteligente e suave, sem uso de flashbacks cansativos e abusivos na construção de seu argumento (o que seria o óbvio diante desta proposta), O Reencontro é, sobretudo, uma lição sobre o perdão – para com os outros e para si mesmo.

Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort)

Às vésperas de uma feira de fim de semana, a pequena cidade de Rochefort é povoada pelos tipos mais distintos: as belíssimas irmãs gêmeas Delphine e Solange Garnier, respectivamente uma professora de balé e uma instrumentista e compositora; um marinheiro em busca da mulher de seus sonhos; a dona de um simpático bar à beira-mar que deseja reencontrar o homem com quem viveu um romance no passado; um recém chegado, que acabara de se apaixonar por uma jovem desconhecida; entre tantos outros personagens que, cada qual à sua maneira, vivem momentos diferentes de um mesmo sentimento: o amor.

Duas Garotas Românticas é um daqueles filmes que te deixam com um sorriso de uma orelha à outra. Por duas horas, o musical de Jacques Demy consegue exprimir um intenso clima de felicidade, sem soar piegas ou cansar o expectador. Com um exagero de cores, sempre saturadas, os quadros expressam completa vivacidade e exuberância, mesmo nas poucas sequências mais tristes da história (um contraste que não incomoda em instante algum). A paleta contribui à narrativa com excepcionalidade e há uma harmonia interessantíssima entre figurinos e cenários, o que podemos observar amplamente com os planos empregados. Há escolhas que impressionam, como alguns planos sequências, todos filmados com bastante precisão – em especial, há um no início da narrativa que captura toda a movimentação da praça da cidade, com suas inúmeras pessoas ao redor para, aos poucos, fazer um zoom em direção à janela de um edifício, terminando em uma ampla sala onde vemos as deslumbrantes Catherine Deneuve e Françoise Dorléac em cena.

Praticamente fazendo par a Guarda-Chuvas do Amor, de 1964, Duas Garotas Românticas é, sobretudo, um filme que narra com beleza e alegria os encontros e desencontros da vida. Amparado pela competente fotografia de Ghislain Cloquet (um dos maiores fotógrafos do cinema europeu na década de 60), que é um visual à parte, Demy cria um mundo mágico e multicolorido – palco onde seus personagens desfilam, dançam e cantarolam suavemente suas melodias em um tom irradiante de êxtase, que transborda da tela e atinge o público em cheio. Se há quem defenda que assistir bons filmes nos tornam pessoas melhores, Duas Garotas Românticas é certamente aquele que vai te deixar de bem com a vida.

De Cabeça Erguida (La Tête Haute)

De Cabeça Erguida, novo filme de Emmanuelle Bercot, abriu a 68ª edição do Festival de Cannes, em maio deste ano. O longa foi a primeira produção de uma mulher a abrir o evento em 30 anos e, apesar de não ter provocado muito entusiasmo em sua exibição para a imprensa, trata-se de um projeto ambicioso que mistura documental e ficção, resultando um trabalho indispensável na filmografia de seus idealizadores.

A trama acompanha a vida do jovem Malony, dos 6 aos 18 anos de idade. Com um histórico familiar totalmente desfavorável, Malony se torna um delinquente juvenil com temperamento desequilibrado, dividindo seu tempo entre pequenos crimes e internações em centros de correção e reformatórios, onde cumpre pena por seus atos. Nesse período, o adolescente é acompanhado por uma juíza e um professor, que tentam ajudar o garoto a buscar um novo (e melhor) rumo em sua vida.

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O roteiro basicamente se estende sob as inúmeras tentativas da juíza e o tutor em apoiar o rapaz. Malony comete um delito, recebe uma punição e um novo ciclo se inicia – e isso acontece várias vezes ao longo do filme. Dessa forma, não existe nenhum clímax na história – mas sim pequenos episódios, todos praticamente com essa mesma estrutura. No entanto, é interessante notar que, ainda assim, a narrativa não se torna entediante. Pelo contrário: conforme o filme avança, o espectador se sensibiliza com o protagonista, mesmo detestando seus atos. É como se ele próprio estivesse disposto a dar uma nova chance ao problemático Malony. Talvez isso se dê também por conta da atuação competente do novato Rod Paradot, uma explosão de sentimentos em cena. Ele chora, xinga, sente raiva de tudo e todos, esbraveja, tem ataques de histeria – mas desperta a comoção do público, como se quem assistisse quisesse lhe estender a mão, pois sabe que ele realmente precisa de uma mudança.

A personagem da juíza, no entanto, deixa um tanto a desejar. Interpretada pela musa francesa Catherine Deneuve, sua construção não me pareceu muito firme. Talvez essa lacuna no desenvolvimento dessa persona seja uma forma de manter um certo distanciamento entre ela e Malony – afinal, ela é uma juíza e tem de ser racional, não importam as circunstâncias. Por sua vez, Sara Forestier consegue dar bastante humanidade à mãe do garoto, uma viciada em drogas incapaz de cuidar dos filhos e que não tem a menor noção da realidade perigosa em que ele está inserido. É ela quem ajuda a pontuar na trama a vida destrutiva de Malony: o universo do menino é inteiramente perdido, devastado, sem perspectivas; ele é apenas um produto do seu meio.

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Apesar de ter momentos sombrios, o filme nos propicia sempre uma ponta de esperança – e o desfecho, a cena final em si, tem uma beleza e significado ímpares. Apesar de não ser impecável, De Cabeça Erguida proporciona uma visão crítica da criminalidade na juventude, ressaltando o papel dos educadores na transformação dessas vidas e sugerindo também a importância da família na construção da personalidade do indivíduo. De Cabeça Erguida chega aos cinemas como um filme capaz de gerar bons debates e fazer pensar – em suma, uma produção necessária que há anos não tínhamos.