Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit)

Sandra é uma mãe de família que está prestes a retornar ao trabalho após um período afastada tratando uma depressão. Seu emprego, porém, está ameaçado uma vez que, como medida de contensão de gastos, seu chefe ofereceu aos demais membros da equipe um bônus em dinheiro, desde que Sandra fosse dispensada. A maioria dos funcionários aceita a oferta, mesmo que isso implique na demissão da colega. No entanto, uma das funcionárias consegue convencer o patrão a fazer uma nova votação – e Sandra tem um curto espaço de tempo para bater de porta em porta atrás de votos a seu favor e tentar salvar seu posto.

Dois Dias, Uma Noite é o representante belga pré-indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2015. Com direção dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (de O Garoto da Bicicleta), o longa é quase uma espécie de road-movie, onde a protagonista faz uma verdadeira peregrinação buscando salvar seu emprego. Durante a empreitada, com a ajuda do esposo Manu, Sandra se depara com as mais distintas reações, das mais solidárias às mais violentas. Nesse ponto, o filme coloca em pauta duas questões fundamentais em nossa sociedade atual: a solidariedade e o egoísmo. Afinal, até onde eu posso pedir que uma pessoa abra mão de seu direito por um direito meu? Todos os empregados precisam do bônus – cada um por um motivo especifico, mas além desta necessidade existe aqui também a questão do direito: ninguém pediu o bônus; ele foi ofertado em troca da demissão de Sandra.

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O roteiro, também escrito pelos irmãos, é equilibrado, sem altos e baixos, porém bem desenvolvido, proporcionando alguns momentos comoventes (talvez pelo excesso de “vitimização” concedido a Sandra). A montagem quase sugere uma espécie de “documentário”, o que de certa maneira aproxima o público do drama de nossa protagonista. Marion Cotillard, por sua vez, está despida aqui de qualquer glamour, requinte ou sofisticação. Já há muito tempo, Marion vem mostrando sua versatilidade diante das câmeras, se consagrando como uma das mais talentosas atrizes francesas de sua geração. Não à toa, ela empresta muita suavidade a Sandra e, embora carregue demais no tom dramático de sua personagem em certos instantes, arriscaria dizer que esta é sua melhor atuação desde Piaf – Um Hino ao Amor. Fabrizio Rigone (o esposo da protagonista) e os demais nomes do elenco (que interpretam os colegas de Sandra – logo, fazem pequenas mas intensas participações) são competentes o suficiente para preencher o quadro concisamente – apesar do filme ser exclusivamente de Cotillard.

Dois Dias, Uma Noite é um filme honesto, direto e silencioso – mas nem por isso perde sua riqueza e profundidade ao longo de sua uma hora e meia. Apesar de não apresentar um gênero muito bem definido, Dois Dias, Uma Noite proporciona uma reflexão sobre o mundo corporativo, que obriga até mesmo o mais moral dos seres humanos a perder sua dignidade diante da busca pelos seus interesses. Como é de se esperar, não há um happy ending. Não à toa, a trama se passa na Bélgica – um dos países mais “perfeitos” do mundo ocidental, mas ainda assim com seus problemas e deficiências sociais.

Grace de Mônaco (Grace of Monaco)

Não há dúvidas de que Grace Kelly é uma das figuras mais celebradas do cinema em todos os tempos, cercada por inúmeras histórias e lendas. Faltava, no entanto, uma cinebiografia que fizesse jus a tudo aquilo que Grace realmente foi ao longo de sua curta existência (afinal, a atriz faleceu precocemente aos 52 anos, em um trágico acidente automobilístico). Coube ao francês Olivier Dahan (do irretocável Piaf – Um Hino ao Amor) a árdua missão de transportar para as telas de cinema a biografia deste ícone mundial – e assim surge Grace de Mônaco, filme de abertura do 67º Festival de Cannes e que arrebatou as mais duras críticas da imprensa.

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Diferente de Piaf – Um Hino ao Amor, cuja protagonista era acompanhada da infância até sua morte, Grace de Mônaco concentra sua narrativa nos primeiros anos do casamento de Grace e o príncipe Rainier III (união considerada por muitos um “conto de fadas”), quando a artista abandonou sua próspera carreira de atriz para dedicar-se à realeza de Mônaco. Desiludida com o casório (em especial, com o distanciamento do esposo e o formalismo de seu novo mundo), a princesa aceita o convite do amigo Alfred Hitchcock para estrelar seu novo projeto (Marnie – Confissão de uma Ladra, que mais tarde seria protagonizado por Tippi Hedren) – que marcaria seu retorno triunfal a Hollywood, mesmo contra a vontade de Rainier. No entanto, Mônaco passa pela iminência de uma guerra e Grace fica dividida entre retomar sua carreira ou lutar ao lado do esposo pelo Principado.

Apesar do bom material disponível, o maior problema de Grace de Mônaco está em seu argumento, desenvolvido por Arash Amel: a ambição de Grace de Mônaco, ao que parece, desde o início é ser “grandioso”, “épico”, recorrendo a frases de efeitos, mas que não há nada além de diálogos rasos e superficiais que poderiam ter sido tirados de qualquer livro de autoajuda. A impressão que temos é a de que não estamos necessariamente diante de um filme “sério”, pois há quase um certo apelo televisivo na obra – a prova irrefutável é a de que em sua exibição em Cannes, jornalistas e demais especialistas chegaram a rir em diversas sequências, conforme foi noticiado por alguns veículos.

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Além das evidentes falhas na narrativa, o elenco não demonstrou o menor interesse pelo projeto. Se em Piaf – Um Hino ao Amor, Marion Cotillard foi, no mínimo, unânime, Nicole Kidman só consegue, no máximo, emprestar certa classe e sofisticação à sua personagem. Sua atuação é caricata, teatral e forçada, tornando sua Grace uma mulher insegura e dependente. É quase cômica (não fosse ruim) a cena em que Grace tem aulas de francês, com o péssimo sotaque de Kidman (que está quase inexpressiva). Tim Roth também está quase no automático – aliás, não, Tim está muito abaixo de seu talento, pois até mesmo o modo “automático” do ator seria aceitável. Se o casal de protagonistas não impressiona, o restante do elenco não tem muito que fazer – e o único bom retrato dentro de um filme repleto de tipos insuportáveis é o do veterano Frank Langella, no papel do padre Tucker, confidente de Grace (e que demonstra ótima química com Kidman). De resto, tudo soa tão artificial que beira o satírico – o que, obviamente, não me pareceu ser a proposta aqui.

Detonado pela crítica, Grace de Mônaco funcionou muito melhor fora do cinema: antes mesmo do filme ser lançado, a família de Grace Kelly já havia se manifestado, acusando a fita de ser “baseada em referências históricas erradas e dúbias”, conforme nota oficial. Apesar de até ser pontual tecnicamente falando (há uma boa fotografia, figurino e design de produção, em contrapartida da péssima e lastimosa trilha sonora), Grace de Mônaco peca na estrutura de seu roteiro – um grave erro que se sobrepõe a todo restante da obra. Mas não apenas isso: Olivier Dahan falha ao tentar retratar um nome tão importante com tamanha superficialidade, explorando pouco da vida de Grace e tendo como cenário o conturbado conflito diplomático entre Mônaco e a França. Dessa forma, falta credibilidade, falta respeito e, principalmente, falta amor. Grace Kelly, nossa eterna e queridíssima Grace Kelly, merecia algo infinitamente melhor.