Não há dúvidas de que Grace Kelly é uma das figuras mais celebradas do cinema em todos os tempos, cercada por inúmeras histórias e lendas. Faltava, no entanto, uma cinebiografia que fizesse jus a tudo aquilo que Grace realmente foi ao longo de sua curta existência (afinal, a atriz faleceu precocemente aos 52 anos, em um trágico acidente automobilístico). Coube ao francês Olivier Dahan (do irretocável Piaf – Um Hino ao Amor) a árdua missão de transportar para as telas de cinema a biografia deste ícone mundial – e assim surge Grace de Mônaco, filme de abertura do 67º Festival de Cannes e que arrebatou as mais duras críticas da imprensa.
Diferente de Piaf – Um Hino ao Amor, cuja protagonista era acompanhada da infância até sua morte, Grace de Mônaco concentra sua narrativa nos primeiros anos do casamento de Grace e o príncipe Rainier III (união considerada por muitos um “conto de fadas”), quando a artista abandonou sua próspera carreira de atriz para dedicar-se à realeza de Mônaco. Desiludida com o casório (em especial, com o distanciamento do esposo e o formalismo de seu novo mundo), a princesa aceita o convite do amigo Alfred Hitchcock para estrelar seu novo projeto (Marnie – Confissão de uma Ladra, que mais tarde seria protagonizado por Tippi Hedren) – que marcaria seu retorno triunfal a Hollywood, mesmo contra a vontade de Rainier. No entanto, Mônaco passa pela iminência de uma guerra e Grace fica dividida entre retomar sua carreira ou lutar ao lado do esposo pelo Principado.
Apesar do bom material disponível, o maior problema de Grace de Mônaco está em seu argumento, desenvolvido por Arash Amel: a ambição de Grace de Mônaco, ao que parece, desde o início é ser “grandioso”, “épico”, recorrendo a frases de efeitos, mas que não há nada além de diálogos rasos e superficiais que poderiam ter sido tirados de qualquer livro de autoajuda. A impressão que temos é a de que não estamos necessariamente diante de um filme “sério”, pois há quase um certo apelo televisivo na obra – a prova irrefutável é a de que em sua exibição em Cannes, jornalistas e demais especialistas chegaram a rir em diversas sequências, conforme foi noticiado por alguns veículos.
Além das evidentes falhas na narrativa, o elenco não demonstrou o menor interesse pelo projeto. Se em Piaf – Um Hino ao Amor, Marion Cotillard foi, no mínimo, unânime, Nicole Kidman só consegue, no máximo, emprestar certa classe e sofisticação à sua personagem. Sua atuação é caricata, teatral e forçada, tornando sua Grace uma mulher insegura e dependente. É quase cômica (não fosse ruim) a cena em que Grace tem aulas de francês, com o péssimo sotaque de Kidman (que está quase inexpressiva). Tim Roth também está quase no automático – aliás, não, Tim está muito abaixo de seu talento, pois até mesmo o modo “automático” do ator seria aceitável. Se o casal de protagonistas não impressiona, o restante do elenco não tem muito que fazer – e o único bom retrato dentro de um filme repleto de tipos insuportáveis é o do veterano Frank Langella, no papel do padre Tucker, confidente de Grace (e que demonstra ótima química com Kidman). De resto, tudo soa tão artificial que beira o satírico – o que, obviamente, não me pareceu ser a proposta aqui.
Detonado pela crítica, Grace de Mônaco funcionou muito melhor fora do cinema: antes mesmo do filme ser lançado, a família de Grace Kelly já havia se manifestado, acusando a fita de ser “baseada em referências históricas erradas e dúbias”, conforme nota oficial. Apesar de até ser pontual tecnicamente falando (há uma boa fotografia, figurino e design de produção, em contrapartida da péssima e lastimosa trilha sonora), Grace de Mônaco peca na estrutura de seu roteiro – um grave erro que se sobrepõe a todo restante da obra. Mas não apenas isso: Olivier Dahan falha ao tentar retratar um nome tão importante com tamanha superficialidade, explorando pouco da vida de Grace e tendo como cenário o conturbado conflito diplomático entre Mônaco e a França. Dessa forma, falta credibilidade, falta respeito e, principalmente, falta amor. Grace Kelly, nossa eterna e queridíssima Grace Kelly, merecia algo infinitamente melhor.