10 Filmes Imperdíveis da 42ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Já faz parte do calendário paulista: outubro é mês da Mostra Internacional de Cinema de SP! Neste ano, a edição acontece entre os dias 18 e 31 de outubro e abrangerá mais de 30 espaços, entre cinemas, museus e outros locais culturais da capital paulista. No total, serão mais de 300 títulos das mais variadas cinematografias e países – incluindo a seleção de 18 obras já indicadas por seus respectivos países para concorrerem a uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Além disso, a Mostra trará mais de 20 filmes em realidade virtual. Entre os títulos, está o francês A Ilha dos Mortos, animação de Benjamin Nuel, premiada no Festival de Veneza 2018 com o Leão de Ouro pelo uso da técnica. No espaço, haverá também uma instalação para celebrar a obra Chalkroom, produzida em VR (virtual reality) pela artista multimídia Laurie Anderson (que assina o pôster e a vinheta do festival).

Para dar aquela forcinha, selecionei aqui 10 filmes imperdíveis desta Mostra:

A CASA QUE JACK CONSTRUIU (The House That Jack Built, de Lars Von Trier)
Este é o mais novo filme do controverso Lars Von Trier, que passou por diversos festivais mundiais e dividiu opiniões (em Cannes, por exemplo, o filme foi tanto vaiado quanto ovacionado).

Cena de “A Casa que Jack Construiu”, de Lars Von Trier.

AS FAVORITAS (The Favourite, de Yorgos Lanthimos)
As Favoritas  rendeu a Olivia Colman o premio de melhor atriz no Festival de Veneza, por sua atuação como a Rainha Anne durante a Inglaterra do século XVIII em guerra com a França.

ASSUNTO DE FAMÍLIA (Manbiki Kazoku, de Hirokasu Kore-eda)
Além de ser a aposta japonesa ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Assunto de Família levou a Palma de Ouro em Cannes nesta última edição.

EM CHAMAS (Beoning, de Chang-Dong Lee)
Em Chamas  não faturou a Palma de Ouro este ano, mas foi uma das obras mais elogiadas do festival e é o grande favorito ao Oscar de filme estrangeiro no próximo ano.

GUERRA FRIA (Zimma Wojna, de Pawel Pawlikovski)
Guerra Fria  também passou por Cannes este ano, onde arrancou elogios da crítica. Além disso, o filme é dirigido por Pawel Pawlikovski – que faturou a estatueta de melhor produção estrangeira com Ida.

IMAGEM E PALAVRA (Le Livre d’Image, de Jean-Luc Godard)
Uma das surpresas de Cannes foi Imagem e Palavra, novo trabalho da lenda viva do cinema Jean-Luc Godard. Não é preciso falar mais nada.

INFILTRADO NA KLAN (BlacKkKlansman, de Spike Lee)
Um dos grandes favoritos nas principais categorias do Oscar no próximo ano, Infiltrado na Klan foi um dos destaques de Cannes e traz Spike Lee na direção.

O GRANDE CIRCO MÍSTICO (O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues)
Apesar de não ter sido muito bem recebido nos festivais em que participou, O Grande Circo Místico  é o novo filme de Cacá Diegues – e representante oficial do Brasil ao Oscar.

Cena de “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues.

ROMA (Roma, de Alfonso Cuarón)
Dirigido pelo oscarizado Alfonso Cuarón, Roma  foi o primeiro filme produzido pela Netflix a levar o Leão de Ouro, em Veneza.

THE MAN WHO KILLED DON QUIXOTE (The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam)
Após anos e inúmeras tentativas fracassadas, Terry Gilliam conseguiu finalizar sua obra (considerada “maldita” pelos mais supersticiosos) – cuja produção conturbada nos anos 90 virou até documentário.

O Querido Diário de Hunter S. Thompson

O jornalista norte-americano Hunter S. Thompson, que se suicidou com um tiro de espingarda em fevereiro de 2005, aos 67 anos, escreveu seu romance The Rum Diary durante a década de 1960, com seus vinte e tantos anos. Entretanto, o livro só foi publicado em 1998, ano em que – coincidentemente ou não – seu livro Fear And Loathing in Las Vegas foi adaptado para o cinema pelo “surrealista” Terry Gilliam (do mais recente O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus).

Ambos os livros tem algumas características em comum. Primeiro, contam a história de algum jornalista lançado em alguma região desconhecida e que passa por diversas situações regradas a drogas lícitas ou ilícitas. Segundo, o jornalista em questão é o alter-ego do próprio Thompson, notório consumidor de drogas e bebidas e criador do estilo de jornalismo gonzo (estilo no qual não há uma distinção clara entre ficção e não-ficção, levando muitas vezes o autor a participar da história como sujeito da narrativa).

Criador do estilo gonzo de jornalismo, apesar de pouco conhecido no Brasil, Thompson foi um dos mais populares jornalistas dos EUA.

O que difere as histórias, no entanto, é que enquanto em Fear And Loathing… o alter-ego de Thompson já está em sua fase mais louca e tresloucada (quando o autor usava e abusava de drogas), a trama central de The Rum Diary apresenta o jornalista em sua primeira fase, ainda no início do estilo gonzo – com um um escritor ainda como um mero coadjuvante da história, por vezes em tom até mesmo romanesco, como o próprio Thompson assumiu ser no início da carreira.

Bom, tudo isso é impontante dizer antes de comentar sobre Diário de um Jornalista Bêbado, adaptação cinematográfica de The Rum Diary, que estreou no país nesta semana. Na trama, Paul Kemp é um jornalista que vai trabalhar em um jornal à beira da falência em Porto Rico. Kemp, um alcoólatra inveterado, passa por divertidas situações ao lado de seus amigos – tão loucos quanto ele – e se apaixona por Chenault, namorada de um colega de profissão renegado, envolvido em um esquema de grilagem da terra.

Paul Kemp, logo no início da trama, em cena que revela todo o fraco do jornalista por bebidas.

O protagonista é vivido pelo multifacetado Johnny Depp, que também encarnou o personagem principal em Medo e Delírio – título em português da adaptação de Terry Gilliam – e foi amigo pessoal de Thompson (alguém tem dúvidas de que Depp também sempre foi chegado a exageros?). Depp inclusive insistia para que a obra de Thompson fosse levada para o cinema e está entre um dos produtores do longa.

Diário de um Jornalista Bêbado não alcançou o sucesso esperado. A produção, que custou cerca de 45 milhões de dólares, faturou pouco mais de 13 milhões nos EUA. Depp foi duramente criticado ao dizer que o público não estaria acostumado a filmes inteligentes como este e não se importava com os números, pois o longa se tornaria um clássico daqui há alguns anos. A baixa popularidade prejudicou até mesmo a distribuição do projeto: originalmente lançado nos EUA em 28 de outubro de 2011, o filme só chegou agora aos cinemas nacionais. Entretanto, a fita está muito longe de ser o fiasco que todos dizem.

O ambiente porto-riquenho da década de 50 foi bem recriado em “The Rum Diary”.

O filme é muito bem ambientado em um Porto Rico cheio de cores, alegre e descontraído, retratando muito bem o período (a história se passa na década de 1950), com seus habitantes e cultura locais, justamente na época em que a nação lutava por sua independência diante dos EUA, num país marcado por grandes desigualdades sociais (a cena em que um ricaço esnobe expulsa um grupo de nativos de sua “praia particular” é exemplo disso). Já a trilha sonora, característica e muito bem executada, foi uma das pré-indicadas para o Oscar 2012 – mas não ficou entre as selecionadas.

No quesito atuações, vale destacar Depp, que parece muito à vontade com sua personagem. Não muito exagerado, Depp consegue segurar consideravelmente suas caras e bocas – elas estão lá, mas muito menos que em outros trabalhos. Destaque também para Amber Heard (sensualíssima no papel de Chenault), Richard Jenkins (como o chefe do jornal onde Kemp trabalha) e, chamando os olhares para si a cada aparição, Michael Rispoli, como Bob Sala (um dos amigos bizarros de Kemp).

Michae Rispoli, à esquerda, como Bob Sala. Sim, teve até briga de galos.

Entretanto, o que mais se pode relevar em Diário… é sua direção. Bruce Robinson conseguiu criar um produto simpático – e este é o melhor adjetivo para o longa. Durante quase duas hora de projeção, Bruce não arrisca tanto na comédia física (na verdade, mostra-se bastante intimidado em relação a isso), mas cria cenas de pastelão divertidas avulsas – o que pode não agradar o público, pois não há um roteiro com estrutura rígida, o que deixa a sensação de altos e baixos a todo momento. Na verdade, o filme parece sem rumo. Mas talvez seja isso que o torne simpático, pois é despretensioso.

Talvez a experiência Medo e Delírio tenha deixado o público com um pé atrás quanto a Diário de um Jornalista Bêbado. O filme de Gilliam, para muitos, é uma das piores obras cinematográficas de todos os tempos. Para outros, é considerado um clássico. Talvez Depp esteja certo: daqui há alguns anos, Diário… pode se tornar um daqueles filmes cults que são vendidos a preços exorbitantes a colecionadores fanáticos. Ele já tem um ponto que o ajuda: não é um blockbuster. Apesar do texto à deriva, o longa é um bom programa que pode ser consumido sem moderação.