Oscar 2020: Resumão

Domingão, 09 de fevereiro de 2020. É nesta data que aconteceu a festa de entrega das estatuetas do Oscar, no Dolby Theatre, em Los Angeles (EUA) – em sua 92ª edição.

Esta é a segunda vez consecutiva em que a premiação não contou com um anfitrião único – já que, em 2019, Kevin Hart desistiu de apresentar a cerimônia após tuítes homofóbicos publicados pelo comediante terem caído nas redes sociais. No lugar de um apresentador fixo, a festa foi comandada por um time de estrelas, como Natalie Portman, Timothée Chalamet, Jane Fonda, Diane Keaton, Gal Gadot, Keanu Reeves e muitos outros.

Quem liderou as indicações no ano foi o sucesso Coringa, de Todd Phillips, concorrendo em 11 categorias – inclusive a de melhor filme. Em seguida, com 10 indicações cada, ficaram Era Uma Vez em… Hollywood (de Quentin Tarantino), O Irlandês (da lenda Martin Scorsese) e 1917. O Brasil também foi representado no tapete vermelho com a indicação de Democracia em Vertigem a melhor documentário – mas passou longe: o prêmio ficou mesmo com Indústria Americana.

Janelle Monae abre a festa com um ótimo número musical, precedendo um bem humorado discurso de abertura protagonizado por Steve Martin e Chris Rock. Outro momento bacana foi a apresentação de Into The Unknown, tema de Frozen II, que concorria à melhor canção original e trouxe cantoras de diferentes países. Eminem também subiu ao palco para apresentar Lose Yourself, sua música para o filme 8 Mile (surpreendendo os telespectadores). Já Elton John levou seu segundo Oscar na carreira com (I’m Gonna) Love me Again, por sua cinebiografia Rocketman – após uma apresentação super empolgante. Finalmente, Billie Eilish é convidada ao palco por ninguém menos que Steven Spielberg para homenagear com Yesterday (dos Beatles) os profissionais do cinema que nos deixaram no último ano.

Injustamente, O Irlandês terminou a noite sem nenhum prêmio – fazendo com que Scorsese repetisse exatamente o seu drama de 2003 com O Aviador. Sem muita surpresa, o quarto filme da franquia Toy Story levou como animação. Já Renée Zellweger e Joaquin Phoenix (por Judy: Muito Além do Arco-íris e Coringa, respectivamente) confirmaram as previsões e levaram como suas estatuetas de melhores atuações.

O grande premiado da noite, no entanto, foi o sul-coreano Parasita (de Bong Joon-Ho) que fez história: concorrendo em 6 indicações, ganhou 4 prêmios – incluindo roteiro original, filme em língua estrangeira, diretor e filme (primeiro filme em língua não inglesa a ganhar nesta categoria).

Confira os vencedores da noite:

CATEGORIA VENCEDOR
FILME Parasita
DIREÇÃO Bong Joon Ho (Parasita)
ATOR Joaquin Phoenix (Coringa)
ATRIZ Renée Zellweger (Judy: Muito Além do Arco-íris)
ATOR COADJUVANTE Brad Pitt (Era Uma Vez em… Hollywood)
ATRIZ COADJUVANTE Laura Dern (História de um Casamento)
FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA Parasita
ANIMAÇÃO Toy Story 4
ROTEIRO ORIGINAL Parasita
ROTEIRO ADAPTADO Jojo Rabbit
FOTOGRAFIA 1917
EDIÇÃO Ford vs Ferrari
EDIÇÃO DE SOM Ford vs Ferrari
MIXAGEM DE SOM 1917
TRILHA SONORA ORIGINAL Coringa
CANÇÃO ORIGINAL (I’m Gonna) Love Me Again (Rocketman)
EFEITOS VISUAIS 1917
FIGURINO Adoráveis Mulheres
DESIGN DE PRODUÇÃO Era Uma Vez em… Hollywood
MAQUIAGEM E CABELO O Escândalo
DOCUMENTÁRIO Indústria Americana
DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM Learning to Skateboard in a Warzone (If You’re a Girl)
CURTA-METRAGEM The Neighbor’s Window
CURTA-METRAGEM EM ANIMAÇÃO Hair Love

“Pets – A Vida Secreta dos Bichos” Recicla Trama da Concorrente Pixar

Max é um cachorro que mora com sua dona em um apartamento em Nova York. Único habitante canino, ele é alvo de todo carinho e mimos possíveis até a chegada de Duke, um cão de rua que sua dona acabara de resgatar. Pronto! A rivalidade entre eles é imediata. Entretanto, quando os dois se perdem na cidade e são perseguidos por uma “gangue“ de bichos que vivem no esgoto, Max e Duke terão que se unir para encontrar o caminho de volta para casa, enquanto seus amigos da vizinhança saem à sua procura.

A premissa de Pets – A Vida Secreta dos Bichos, nova animação da Illumination Entertainment (empresa responsável por Meu Malvado Favorito e Minions), não é original. É escancarado o fato de que Pets praticamente recicla a história do primeiro filme da franquia Toy Story, da concorrente Pixar. Ou seja, Pets é uma versão “animal” de uma fábula que já estamos cansados de conhecer (inclusive pela proposta da trama de mostrar “o que os bichos de estimação fazem quando seus donos não estão por perto”), porém como muito menos requinte, obviamente.

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Mas se por um lado falta originalidade ao argumento, Pets consegue ainda ser “diferente” por trazer um entretenimento muito mais exagerado, escrachado e até “bobo” – mas o suficiente para fazer com que o público se divirta de verdade. O humor é predominante, os personagens são bem explorados e é muito interessante ver a forma como a história “brinca” com os estereótipos animais – em muitos instantes, o espectador chega a pensar “É exatamente assim que o meu gato age!” ou “Nossa, igualzinho ao meu cão!”. Além disso, o desenvolvimento dramático de Pets abre margem também para cenas de ação que valorizam o cenário colorido e o bom trabalho da equipe liderada pela dupla de diretores Chris Renaud e Yarrow Cheney.

Ainda que esteja longe de ser um filme memorável (o trailer entrega muito da obra, infelizmente), Pets consegue cumprir aquilo que promete: divertir. Uma coisa é certa: Pets é uma verdadeira homenagem ao relacionamento dos humanos com seus animais de estimação – e isso é fruto de uma observação muito peculiar do comportamento de ambos. Ao sair da sessão, você que for levar sua criança e ainda não tiver um pet em casa, prepare-se: um novo morador pode estar a caminho.

Pixar Entrega Obra Menor em “O Bom Dinossauro”

A primeira pergunta que passou pela minha cabeça após assistir a O Bom Dinossauro foi “Esse filme é realmente necessário?” – e esta questão me perturbou durante um tempo. Sim, porque sejamos honestos: após entregar uma de suas melhores animações em todos os tempos (Divertida Mente), a Pixar não precisava – nem nunca precisou, na verdade – provar nada a ninguém. Mais do que isso: é sempre com muita expectativa que aguardamos qualquer projeto do estúdio, afinal sempre somos surpreendidos, certo? Bem…

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O Bom Dinossauro não é ruim, entenda – mas deixou a desejar. E muito. A trama parte de um conceito clássico do cinema: um herói que precisa buscar coragem para conquistar algo. Assim, conhecemos Arlo, o caçula dos três filhos de uma família de dinossauros. Diferente dos irmãos, Arlo é um desastre nos afazeres cotidianos por conta do medo que possui de tudo e de todos, apesar da ajuda e incentivo dos pais. Após uma série de fracassos, Arlo tem a chance de matar a criatura que está roubando a comida que sua família armazenara para o inverno – mas descobre que o ladrão é um menino humano primitivo e, por pena, deixa-o escapar. Mais tarde, tentando consertar a situação, Arlo se afasta do seu lar e reencontra o garotinho, tornando-se amigo dele e procurando um caminho de volta para casa.

Embora comece de forma promissora (questionando o espectador sobre como seria a relação entre humanos e dinossauros caso o asteroide que teria dizimado os grandes répteis não tivesse atingido a Terra), O Bom Dinossauro é um filme que não empolga e, principalmente, não surpreende. Pior: a narrativa é uma cópia de várias outras fitas infantis. Para começar, a abordagem sobre amizade nos remete imediatamente a Toy Story, com dois personagens que não se dão muito bem mas, devido às circunstancias, precisam se “suportar” para sobreviver. É possível também nos lembrarmos de Procurando Nemo na jornada que o protagonista faz em busca de seu objetivo – com quebras narrativas para apresentar outros personagens (com a diferença aqui que nenhum deles é engraçado). Ainda conseguimos enxergar certa referência a Mogli na forma como Spot, o pequeno humano, é retratado. Mas nenhuma associação é tão descarada quanto ao clássico Disney O Rei Leão – inclusive com sequências que são praticamente idênticas ao filme de 1994. O grande problema é que em O Bom Dinossauro não se trata de uma homenagem – aqui, estamos falando de um punhado de idéias já vistas que soam batidas, previsíveis e, mais do que tudo, manipuladoras.

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Assim, O Bom Dinossauro se torna deveras cansativo ao longo de sua uma hora e meia de projeção – quase uma eternidade – , o que faz com que o público mais adulto não consiga se enternecer. Para as crianças, faltam personagens mais cativantes (além de uma dose de humor que chame a atenção dos pequenos). O Bom Dinossauro é até bem feito tecnicamente (os frames são bem executados, mostrando a excelência tecnológica Pixar, capaz de produzir cenários incríveis), mas carece de uma história, digamos, mais original. Não é o caso de dizer que estamos diante do pior filme da Pixar, até porque temos Carros 2 e Valente aí para competir. Mas é fato que O Bom Dinossauro não chega a ser um marco no estúdio. Definitivamente, O Bom Dinossauro é legal, porém desnecessário.

Wall-e

Começo esta crítica com uma confissão arriscada: para mim, Wall-e é a melhor obra da Pixar em todos os tempos. Digo que é arriscado porque, bem, estamos falando da Pixar – empresa à frente de sucessos como a trilogia Toy Story, Up – Altas Aventuras ou Procurando Nemo. Mas tenho algumas especulações que sustentariam minha tese (ou ao menos minha modesta opinião) de que Wall-e é a obra-prima dos estúdios de John Lasseter; um verdadeiro trunfo da animação e uma das produções mais cativantes que eu já tive o imenso prazer em assistir.

04Pelo princípio: assim como em outras produções da Pixar, Wall-e possui protagonistas improváveis (a não ser que você ache comum brinquedos ou carros que falam, um rato que sonha em ser chefe de cozinha ou um peixe palhaço à procura do filho perdido). Neste caso, falamos do robozinho do título, único “habitante” de um planeta Terra bem diferente daquilo que poderíamos esperar em um filme que se passa no futuro: inóspita e repleta de lixo por todos os lados. Solitário, Wall-e passa seus dias na árdua tarefa de “limpar” a Terra (juntando todo o lixo acumulado durante gerações) enquanto coleciona objetos utilizados pelos humanos que, agora, vivem no espaço. No entanto, a rotina pacata de Wall-e muda com a chegada inesperada de Eva, uma sonda moderna e sofisticada enviada ao planeta com a missão de descobrir sinais de vida vegetal que indiquem um retorno da sustentabilidade da vida humana.

Com uma sinopse razoavelmente simples, muito pouco poderia se esperar de Wall-e. Até mesmo porque Wall-e, apesar de ser uma animação, não é feito diretamente para crianças. Há de se dizer, inclusive, que as crianças podem criar certa resistência ao filme – o que é completamente justificável. Wall-e foi feito para quem gosta de cinema. É a sétima arte em seu mais puro estado, uma experiência visual que remete o espectador aos primórdios da comédia muda (de Charles Chaplin a Buster Keaton, por exemplo), à ficção científica que tomou conta das telonas por volta da década de 70 e ao maior clichê cinematográfico de todos os gêneros: o encontro casual (e o desenrolar da relação) entre homem e mulher.

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O que torna Wall-e uma obra sublime (no mais amplo sentido da palavra) é que a experiência visual proporcionada pelo longa se estende sobre os itens anteriormente citados, mas de forma muito mais requintada. Comédia muda a começar porque Wall-e é um filme que conta sua história sem os artifícios do diálogo narrativo. Diria que, se muito, apenas um terço do filme tem diálogos falados. Toda a narrativa é contada através de suas imagens. Wall-e, por exemplo, exprime todas as suas emoções através praticamente de seus olhos (que transmitem tristeza, timidez, seu jeito desengonçado de ser e até mesmo seu interesse na humanidade). Esse mérito da produção é resultado de uma característica da Pixar com a qual já estamos habituados: a perfeição com que os estúdios trabalham sua técnica. Wall-e é simplesmente impecável do ponto de vista técnico. Isso fica evidenciado a cada momento através das belas imagens criadas pela equipe Pixar, enchendo os olhos do espectador com planos e sequências inspiradoras, formando uma fotografia ímpar. A cena do balé de Eva e Wall-e no espaço é uma daquelas sequencias cinematográficas para entrar na história – comparada às vassouras cheias de vida de Fantasia ou ao beijo inocente de A Dama e o Vagabundo.

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Em se tratando de ficção científica, Wall-e segue na contramão do roteiro que se poderia esperar do gênero. Não é apenas uma abordagem “futurista”, mas uma obra que propaga também questões ambientais (e por que não humanitárias) que vão muito alem do que muitos filmes, documentários ou obras do gênero pregam. A sátira ao consumo desenfreado, por exemplo, está presente claramente na quantidade de lixo acumulada ao longo dos anos e que o robô tenta, inutilmente, organizar. Com uma história simples, o longa passa uma mensagem muito mais direta e comovente do que muitos discursos ecológicos e humanitários por aí, até mesmo por uma razão: Wall-e é um filme otimista, há esperança de um futuro melhor. Isso fica evidenciado na forma como o robô coleciona os objetos humanos que o fascinam, como se a cada objeto, o melhor da raça humana fosse separado. É muita ternura em um único personagem.

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O encontro casual entre homem e mulher, finalmente, é ainda mais terno porque, neste caso, o casal em questão é formado por dois robôs. Isso não impede que a Pixar recrie uma fábula contemporânea (digo, futurista) sobre a solidão. Wall-e, quando encontra Eva, se apaixona de forma pura pelo robô. Na verdade, o que temos aqui é a simples história de um ser solitário que descobre o amor – e como o amor muda seu universo. É o amor em seu estado mais honesto e que produz os mais ricos sentimentos: o cuidado, o ciúme, o respeito, a confiança, o medo da perda. É uma das histórias de amor mais puras que o cinema foi capaz de produzir em anos, evidenciada pela excelência no trabalho de animação que reproduziu com esmero todos os movimentos dos personagens e deram vida a cada um deles.

O menos surpreendente, no entanto, é que, assim como boa parte dos filmes da Pixar, Wall-e é uma animação que agrada adultos, mas principalmente aqueles que amam o cinema (o que torna Wall-e a melhor produção da Pixar). Desde sua cena inicial (com a bela visão do planeta Terra acompanhada de uma belíssima trilha sonora – que é um caso a parte e mereceria um texto especial), Wall-e nasceu para emocionar e consegue isso muito bem através também de uma singela (mas encantadora) homenagem à história do cinema, com referências a grandes obras que até hoje cativam o público. Wall-e, solitário em sua humilde residência, assiste a trechos do musical Alô, Dolly!, enquanto tenta imitar os passos vistos na tela – em uma das cenas mais “fofas” que já presenciei no cinema. Wall-e é um daqueles momentos únicos, uma pérola cinematográfica inigualável e incontestável – revelando-se um dos maiores clássicos do cinema e a obra definitiva da Pixar, empresa conhecida por sua excelência e qualidade, que alcançou em Wall-e sua magnitude.