Em um curto espaço de cerca de 20 anos, Quentin Tarantino se tornou um dos cineastas mais cultuados de sua geração. Desde sua estréia com o renomado Cães de Aluguel, Tarantino coleciona títulos altamente elogiados pela crítica e público, criando um estilo que tem influenciado muitos outros artistas. Não seria muita surpresa, portanto, que Django Livre, seu mais recente trabalho, fosse recebido com tanto entusiasmo pela comunidade cinéfila. E as expectativas foram altamente atendidas.
Django Livre, como afirmou seu próprio diretor, é a segunda parte de uma trilogia que teria se iniciado com Bastardos Inglórios, de 2009 – sim, o filme sobre nazistas e como matar nazistas que fez a crítica cair de joelhos perante Tarantino. Passado dois anos antes da Guerra Civil norte-americana (que trouxe a liberdade para os pretos ainda escravizados no sul dos EUA), Django Livre trata um dos assuntos mais delicados da história norte-americana: a escravidão. Assim como em Bastardos Inglórios, Tarantino usa um polêmico período histórico para criar uma sequência que, apesar de ficcional, é uma provocante obra política.
Django é escravo de uma fazenda sulista nos EUA que, após uma tentativa de fuga, é separado de sua esposa e levado a leilão em outra cidade. Durante esse percurso, é “comprado” e alforriado pelo caçador de recompensas Dr. King Schultz, que tem interesse no escravo para encontrar um trio de criminosos. Django é instruído por Schultz na “arte” de capturar bandidos; percebendo seu potencial, o mestre propõe a Django uma parceria que será recompensada com o resgate de sua mulher, que agora pertence ao previsivelmente sádico Calvin Candie, o proprietário de uma rica e próspera fazenda de algodão.
Algo que me assustava antes de assistir a Django Livre era sua classificação. Fiquei com certo receio pelo fato da trama ser recomendada para maiores de 16 anos (afinal, os trabalhos menos badalados de Quentin, Jackie Brown e Kill Bill Vol. 2, tem classificação de 14 e 16 anos, respectivamente). Isso me deixava com a orelha em pé quanto aquilo que é a marca registrada de Tarantino: a violência. Filmes de Tarantino são violentos e, exatamente por isso, atraem nossa atenção. Mas, felizmente, ela está presente (e bem inserida) no filme.
A violência já se inicia com a quantidade de vezes em que a palavra nigger é pronunciada no longa (nigger é uma expressão de desprezo, altamente racista e pejorativa). Muitos já soltaram críticas ao diretor por este exagero – mas é este o termo realmente usado pelos senhores de escravos naquela época para se referir às suas “propriedades”. Daí, como se não bastassem, partem para criticar o excesso de cenas de violência na obra. Com toda a honestidade, Django Livre é muito mais violento por seus diálogos do que por suas sequências visuais. Se em Pulp Fiction temos o estupro de um homem ou em Bastardos Inglórios a retirada de escalpos nazistas, o mais “visualmente” violento que temos em Django Livre é um homem sendo atacado por cães – ainda assim com vários cortes rápidos, o que ajudou a amenizar o sofrimento ocular. Aí você pergunta: “Mas e a quantidade de tiros disparados? E os corpos e sangue esparramados pelo chão? E a carnificina das cenas finais?”. A resposta é simples: sim, há inúmeras cenas deste tipo – e o combate entre Django e os capangas de Calvin, dentro da casa da fazenda, é um espetáculo visual (a casa inteira é banhada a sangue, que é esguichado sem o menor pudor a cada bala que atinge a carne humana, em um típico excesso tarantinesco).
O elenco está inspiradíssimo. Jamie Foxx, um ator de talento instável, consegue fazer o protagonista de forma brilhante. Discordando de alguns, Jamie tem uma bela atuação. O que acontece é que é difícil se destacar quando se trabalha ao lado de Christoph Waltz (que, quando inspirado, faz qualquer um ser mero coadjuvante quando entra em cena). O ator austríaco (vencedor do Oscar de melhor coadjuvante em Bastardos Inglórios), cria um Schultz divertido e humano (“Agora que te alforriei, me sinto meio responsável por você.”), mas sanguinolento e frio – personagem tipicamente tarantinesco. Mesmo o veterano Samuel L. Jackson está impagável na pele do mordomo Stephen, enquanto Leonardo DiCaprio nos entrega um personagem que causa asco logo de imediato.
Django Livre se firma como uma excelente obra de arte cinematográfica. Indicado a 5 Oscars (incluindo melhor filme e melhor roteiro original), curiosamente é um dos filmes mais cômicos do diretor, apesar da trama abordar um tema polêmico. No entanto, não é livre de defeitos, sendo o principal dele sua edição (claramente afetada pela ausência de Sally Menke, parceira de Tarantino em seus filmes anteriores), que prejudica muito o andamento da história, dando-nos a sensação de que o filme se estende mais do que deve. A cena do tiroteio na mansão (um falso clímax da narrativa) termina para o desenvolvimento de um desfecho lento e morno, que poderia ter sido extirpado da fita, em minha visão. No entanto, Django Livre consegue se destacar como um de seus melhores filmes, atestando definitivamente seu talento e criatividade.
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Vale a pena ver, Tarantino acertou o alvo.