Londres, década de 70. Uma série de crimes inquieta a polícia local: mulheres são estupradas e assassinadas por um maníaco sexual que as asfixia com uma gravata. Após o assassinato de sua ex-esposa, o fracassado Richard Blaney passa a ser o principal suspeito dos crimes. Preso injustamente, sua missão agora é provar sua inocência e incriminar o verdadeiro culpado.
Esta é a sinopse de Frenesi, o penúltimo filme de Alfred Hitchcock, lançado em 1972. Frenesi traz o mestre do suspense de volta aos holofotes após uma sequencia de películas que dividiram a público e o deixaram meio desacreditado entre os grandes produtores (na ordem, Marnie, Confissões de Uma Ladra; Cortina Rasgada; e Topázio – este último amargando duras críticas e considerado por muitos o seu trabalho mais irregular). Não que estes filmes sejam ruins; de fato, há de se admitir que todos eles são superiores a muita coisa produzida na época. Mas faltava aquela identidade do cineasta presente em toda sua carreira. Talvez por essa razão, o longa foi muito bem saudado como a volta de Hitchcock ao gênero que o consagrou e o tornou um nome tão importante na história do cinema – um dos maiores contribuidores à sétima arte.
Frenesi marca o retorno do cineasta à Inglaterra, sua terra natal (aliás, o longa já se inicia com uma ótima tomada aérea de Londres por cima do rio, aterrissando no mercado da cidade – locação central da narrativa). Marca também a volta de Hitchcock a um recurso muito comum em suas tramas: um homem acusado de um crime que não cometeu. Esses dois pontos foram cruciais para o sucesso da obra que, apesar de não acrescentar nada significativamente novo à filmografia de Alfred, diverte e entretém. Tudo funciona de forma concisa, ainda que a impressão que se tem é a de que Frenesi é uma espécie de apanhado geral de ideias e recursos já vistos e utilizados anteriormente.
Mas se engana quem achar que Frenesi não tem outros méritos. Frenesi é, de longe, o filme mais violento da carreira de Hitchcock. Muito mais cru do que em seus trabalhos anteriores, a violência em Frenesi é mais explicita. A sequência do assassinato (e estupro) de Brenda Blaney, para a época, poderia ser comparada a qualquer cena de pancadaria tarantinesca hoje. Há, alem disso, inúmeras cenas de nudez, que o diretor filma com bastante naturalidade e não chega necessariamente a “chocar”, pois o espectador sabe que a nudez é importante dentro do contexto daquele momento. Frenesi também apresenta um roteiro muito bem humorado – aliás, o humor quase se mistura ao suspense devido aos inúmeros percalços pelos quais seus personagens passam. O humor aqui trafega por vários tipos, do mais “bobo” (as comidas intragáveis que o inspetor de polícia é obrigado a provar para agradar a esposa) ao mais “negro” (um corpo boiando no Tâmisa enquanto um político londrino discursa sobre a limpeza do rio).
Jon Finch (que um ano antes estrelou o polêmico Macbeth, de Roman Polanski) dá vida ao protagonista que, apesar de ser um sujeito não muito simpático, desperta certa compaixão no público. Mesmo não caindo de amores por Richard, o espectador torce para que ele consiga provar sua inocência e se vingar de Robert Rusk, o comerciante vivido por Barry Foster (um tipo detestável já nas cenas iniciais, com todo seu ar de “amigão, camarada” que soa, de cara, falso e forçado). Aliás, deve-se abrir um espaço aqui para elogiar o belo trabalho de direção de Alfred: diferente dos suspenses tradicionais onde o culpado só é revelado ao final da trama, Frenesi apresenta o criminoso antes da metade da projeção – mas nem por isso o filme perde interesse. Pelo contrário: Hitchcock conduz tão bem o roteiro de Anthony Shaffer que o público se sente impelido a acompanhar o desfecho da história, torcendo para que o verdadeiro assassino pague por seus crimes.
Apesar de recorrer a alguns clichês de sua própria obra, Hitchcock faz um filme claramente mais popular (a começar pela trilha sonora de Ron Goodwin, muito mais comercial do que qualquer coisa já feita por Bernard Herrman, velho companheiro de Alfred). Talvez isso tenha sido culpa dos próprios estúdios, que participavam efetivamente da produção do longa e, de certa maneira, “engessavam” a criatividade do cineasta (algo do qual o diretor reclamou algumas vezes). Com Frenesi, ainda que com algumas amarras, Hitchcock mostrou que ainda tinha prestígio dentro dos estúdios e, principalmente, ainda tinha cacife e boa forma para fazer bons trabalhos. Frenesi aposta em algumas velhas receitas batidas para criar um filme que, apesar de não inovar, funciona bem para o seu propósito, se tornando indispensável para os fãs do cinema hitchcockiano.