Confesso que conhecia David Lynch apenas de ouvir falar e ainda não tinha tido a oportunidade de assistir a nenhum de seus filmes (ao menos, não me senti muito interessado em sua filmografia, para ser honesto). Quando recebi o desafio de escrever sobre um de seus longas, questionei a um amigo (um fã inveterado do diretor) qual seria um bom ponto de partida para mim – e, de prontidão, obtive a resposta: “Assista e escreva sobre O Homem Elefante“. E a sugestão não poderia ter sido melhor.
Baseado em uma história real, a trama de O Homem Elefante nos leva a Inglaterra vitoriana do século XIX e retrata o drama de John Merrick (John Hurt), um homem que sofria de uma doença grave (um tipo raro de neurofibromatose múltipla) que deformava quase todo o seu corpo – e, por conta disso, era tratado como aberração. Após ser exibido durante anos em “circos de horrores” pela capital inglesa (os famosos freak shows, uma febre na época), John é descoberto por um médico do hospital de Londres, o renomado Frederick Treves (Anthony Hopkins) – que, com o passar dos dias, fica cada vez mais fascinado com a figura de Merrick.
Como não tive nenhum contato anterior com a obra de Lynch, não tenho muitos parâmetros para comparar O Homem Elefante com nada que ele já tenha feito. De certa forma, isso foi saudável pois pude absorver o filme individualmente, sem referências – e nessa empreitada, me deparei com uma narrativa de extremo requinte, especialmente em seu roteiro, que não apressa os fatos e paulatinamente vai surpreendendo o espectador com o progresso da personagem título. Se no início da trama Merrick nos é apresentado como uma aberração humana e desde sempre diagnosticado como um doente mental, aos poucos ele se revela um indivíduo com plena normalidade intelectual. Mais do que isso: Merrick é uma pessoa amistosa, amável e digna de afeto. O espectador acompanha esta descoberta junto com Merrick e Frederick – porém, diferente deste último, o público não tem o poder de agir sobre os acontecimentos, sendo meros observadores.
Outro ponto que merece destaque em O Homem Elefante é a fotografia em preto e branco que, junto a bela direção de arte, contribui muito para transportar o espectador diretamente para a Londres do século XIX, em plena efervescência da Revolução Industrial, causando um clima mais opressivo ao longa. É ainda interessante notar que toda esta ambientação nos remete de imediato ao expressionismo alemão e, de certa forma, também aos filmes de terror britânicos das décadas de 40 e 50 – escolas que são referências até hoje na linguagem cinematográfica. A maquiagem também é primordial para a caracterização do protagonista, sendo indispensável para o ótimo desempenho de John Hurt – que inclusive foi indicado ao Oscar de melhor ator naquele ano. Se o público é capaz de se solidarizar com Merrick, Hurt tem todos os méritos pois o desenvolvimento de sua personagem é louvável (desde as expressões corporais desengonçadas do início da fita até a doçura e mansidão que aquele ser deformado demonstra ter por todos).
Com uma trilha sonora um tanto “pesada” (que, a seu modo, é puro “circense”) que ressalta o ar dramático, O Homem Elefante promove alguns debates importantes, sendo que o principal deles é a crítica precisa à sociedade do espetáculo: mesmo fora dos palcos, John continua a ser um mero objeto “espetáculo”, não muito diferente de sua condição anterior. No melhor estilo “fera” (feio por fora, mas belo por dentro), John nunca deixa de chamar a atenção e ser um tipo que desperta curiosidade. O que é impressionante (e também é um tema a ser discutido aqui) é o quanto o “diferente”, o “novo” acabam por chocar as pessoas e causar preconceito. Esse talvez seja o grande êxito do cineasta: David utiliza o passado para criticar o seu presente – fazendo com que O Homem Elefante sobreviva aos tempo e seja atemporal em sua proposta.