Há filmes que não são feitos para ser entendidos. Eles são produzidos não para contar uma história, informar ou mesmo trazer algum tipo de questionamento; eles apenas existem para ser contemplados, pelo prazer exclusivo da arte. Se o espectador buscar alguma compreensão, as chances de sair do cinema frustrado serão grandes, pois a película está ali na tela para se admirar. É exatamente assim que vejo Adeus à Linguagem, novo filme do mestre da nouvelle vague Jean-Luc Godard.
Ao longo de pouco mais de uma hora de duração, Adeus à Linguagem apresenta a trama de um homem e uma mulher, um casal cujo maior desconforto na relação é a falta de comunicação. Eles não se compreendem – e o cachorro é o símbolo deste relacionamento. É interessante, no entanto, analisar a forma como Godard conduz este argumento. A comunicação do filme é totalmente visual – e é justamente isso que dificulta um entendimento maior da fita. Em determinado momento, Godard diz que “as duas maiores invenções são o zero e o infinito” – frase que traduz bem a proposta do artista de nos fazer entender algo que, na realidade, não está ao nosso alcance.
Conforme o próprio título sugere, Godard quebra a narrativa convencional e constrói uma nova linguagem, cuja força reside na mistura competente de som e imagem. O admirável aqui é o domínio de Godard como cineasta: sua destreza é impecável. Como uma criança com um brinquedo na mão, assim é Godard como diretor, buscando os mais diferentes recursos e manejando-os com total desenvoltura e simplicidade (para se ter noção, até mesmo uma câmera de celular é material de trabalho para Godard). Para tornar a experiência ainda mais agradável, o uso do 3D é excepcional – e, para um profissional que nunca utilizou tal técnica, Godard proporciona algo bastante satisfatória.
Infelizmente, no entanto, Adeus à Linguagem é ainda um filme de Jean-Luc Godard. E o que isso quer dizer? Bom, se o cineasta sempre foi sinônimo de um cinema “difícil”, é fato que Adeus à Linguagem não é um de seus trabalhos mais fáceis. De longe, Adeus à Linguagem é um de seus filmes mais experimentais, ousados e emotivos, apesar de conter vários elementos comuns à sua filmografia (como a trilha descontinuada, os personagens que conversam fora de enquadramento ou os diálogos cheios de reflexões). Não à toa, Adeus à Linguagem foi considerado a melhor produção de 2014 pelos críticos norte-americanos, além de ser ovacionado em Cannes. Mas a verdade é que o público “comum” tende, com toda razão, a desprezar uma obra como esta. Para os cinéfilos, entretanto, Adeus à Linguagem comprova a maestria de um Godard que merece ser apreciado.