Deixa Rolar (Playing it Cool)

Ele é um roteirista que precisa entregar urgentemente o texto para uma comédia romântica (estrelada pelos astros Ashley Tisdale e Matthew Morrison, que fazem uma ponta na fita), porém está passando por um bloqueio criativo. Jovem, bonito e bem sucedido, ele troca de mulheres com a mesma facilidade com que muda de roupa e evita a todo custo se envolver mais profundamente. Então, algo inesperado acontece: ele se apaixona quase à primeira vista por uma moça já comprometida. Como o sentimento aparentemente é recíproco, os dois decidem continuar o contato apenas como amigos – e, obviamente, isso não é tão simples como o casal pensava.

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Algumas fórmulas do cinema são batidas – aí temos os clichês. E alguns dizem sobre clichês: “ruim com eles, pior sem eles”. A verdade é que Deixa Rolar, comédia romântica do estreante Justin Reardon, é um poço interminável dos mais conhecidos e utilizados recursos deste gênero. Não que o filme seja totalmente ruim – e seria injustiça de minha parte dizer isto. Deixa Rolar entrega justamente aquilo que se propõe: uma comédia leve, sem muita pretensão, que não demonstra muita disposição para ir além de seu status quo.

Deixemos claro: Deixa Rolar talvez tenha até um mérito, que é a sua honestidade. O filme não tem a menor intensão de ser inovador; ele descaradamente é uma colcha de retalhos de várias outras produções do gênero, recorrendo até mesmo a recursos visuais para tornar a película mais “fofa” e atrativa (como efeitos especiais banais ou uma sequência rodada em animação). Este emaranhado de clichês, no entanto, não é o grande problema do filme, que chega até a despertar certo interesse no início. Falta charme, falta aquela “pegada”, aquele “algo mais” que você tenta a todo custo descobrir exatamente o que é mas nunca consegue identificar.

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Talvez seja a química inexistente entre o casal de protagonistas. Apesar de Chris Evans estar interessante em tela (é bom vê-lo despido do uniforme de Capitão América), não rola bom entrosamento com Michelle Monaghan – com uma personagem que, definitivamente, não desce. O núcleo de amigos de Chris também é pouco inspirador (um desperdício de atores, especialmente Luke Wilson – que entrou e saiu da trama do mesmo jeito), não acrescentando nenhum momento marcante à narrativa. Fica impossível ao público sentir algum tipo de conexão com quem quer que seja.

Mas nem tudo é perdido: Deixa Rolar chega por aqui em 11 de junho – um dia antes do Dia dos Namorados. O que isso quer dizer? Bom, é capaz que você passe no cinema e veja filas de garotas com seus respectivos pares, todas querendo acompanhar uma história água-com-açúcar, bobinha e sem muita dificuldade. E nisso Deixa Rolar cumpre bem seu papel. Você pode até não sair do cinema surpreendido com uma grande produção, mas também não deixará a sessão totalmente decepcionado porque, afinal, vai ter exatamente aquilo que procura ao entrar nela.

Um Lugar Chamado Notting Hill

Houve quem considerasse Um Lugar Chamado Notting Hill uma das melhores comédias românticas em anos. De fato, o filme lançado em 1999 conquistou o público e a crítica – o que é um caso, no mínimo, curioso, uma vez que Um Lugar Chamado Notting Hill é um produto recheado de clichês e não traz nenhuma inovação ao gênero que consagrou seus protagonistas.

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Sim, Um Lugar Chamado Notting Hill é repleto de clichês – começando por sua trama que acompanha o relacionamento amoroso entre duas pessoas de mundos completamente distintos: ele, o pacato dono de uma livraria especializada em publicações sobre viagens que vive no tranquilo bairro londrino de Notting Hill; ela, uma famosa atriz de cinema, envolvida em inúmeros escândalos e que faturou 15 milhões por seu último filme – o mesmo valor que Julia Roberts teria recebido para protagonizar esta produção. Ambos se conhecem no fortuito dia em que Anna casualmente visita o estabelecimento de Will – e a partir daí, entre encontros e desencontros, os dois iniciam um relacionamento terno e que mudaria para sempre a vida dos amantes.

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Mas os clichês não param por aí. Tudo em Um Lugar Chamado Notting Hill nos dá a sensação de dejavú. É inevitável já no encontro do casal no início do longa – afinal, quer coisa mais comum do que o cara que derruba o suco na roupa da menina? Praticamente só perde para o garoto que derruba os livros da mocinha no chão e ocorre a fatídica troca de olhares… Talvez isso se deve ao fato de que o roteiro de Um Lugar Chamado Notting Hill foi escrito por Richard Curtis – famoso roteirista do gênero, com outro grande sucesso no currículo: o elogiado Quatro Casamentos e um Funeral. Na verdade, se analisarmos com certa atenção, há muitas coisas em comum entre os dois argumentos, inclusive alguns personagens – como o grupo de amigos do mocinho ou a mulher com cabelo esquisito. Richard parece até mesmo ter “reciclado” algumas cenas (como a sequencia em que o mocinho recebe uma carona dos amigos no carro cheio de gente ou quando reúne o grupo para pedir conselhos). Até mesmo o personagem de Hugh Grant em Um Lugar Chamado Notting Hill poderia soar como o “alguns anos mais tarde…” de seu papel em Quatro Casamentos e um Funeral – tudo funcionaria muito bem e se encaixaria perfeitamente.

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Mas mesmo assim, Um Lugar Chamado Notting Hill é um filme que tem um charme muito particular. Talvez isso se dê pelo mesmo roteiro que, apesar de conter algumas falhas, é bem inteligente ao saber dosar tanto humor quanto romantismo. As piadas são estrategicamente bem inseridas ao longo da trama e se revezam com as boas cenas românticas, com ótimos diálogos. Da mesma forma, o desenvolvimento das personagens também é coeso: ambos, apesar de tudo, são totalmente críveis e humanos – uma ótima sacada aqui foi retratar a estrela como uma pessoa comum (“Eu sou apenas uma garota parada em frente a um homem, pedindo a ele que a ame”, diz Anna em certo momento). A direção de Roger Mitchell, no entanto, se apresenta bastante oscilante – com momentos muito lentos (que podem cansar o espectador) e outros de ritmo frenético – mas nada que atrapalhe o bom desempenho do elenco.

Hugh é cativante, mesmo fazendo um tipo já manjado em comédias românticas. Julia Roberts, por sua vez, apresenta uma ótima atuação, fazendo uma personagem que, ao que parece, foi inspirada em si mesma – afinal, assim como Anna, Julia também sofreu bastante com os tabloides sensacionalistas ao redor do mundo. Seu sorriso em cena orna suavemente com a música tema de abertura: She, na voz de Elvis Costello (completando a trilha sonora). A química entre Hugh e Roberts é fundamental para a história, fazendo com que o espectador torça pelo happy ending entre os dois. Outro destaque fica ainda por conta de Rhys Ifans, o amigo sem noção de Will, que protagoniza divertidas cenas ao longo das duas horas de exibição.

O desfecho, previsível, é provavelmente o ápice de todos os clichês aos quais o filme recorre. No entanto, Um Lugar Chamado Notting Hill é uma comédia romântica infinitamente superior a outros produtos do gênero. Cumprindo muito bem sua proposta, é uma produção bem feita, cuidadosamente bem executada, com um ótimo design e uma fotografia ímpar – o que não seria muito diferente tratando-se um longa rodado no charmoso bairro de Notting Hill. Longe de ser impecável, Um Lugar Chamado Notting Hill é equilibrado e inteligente, e mesmo suas deficiências tornam o filme um entretenimento excepcional – algo difícil de se encontrar no cinema hoje em dia.

Os Queridinhos da América (America’s Sweethearts)

01Ah, o mundo das celebridades… Não é muito curioso o fato de que este universo cheio de peculiaridades tenha interessado o diretor Joe Roth. Apesar de sua obra como cineasta ser relativamente modesta, é como produtor que Roth se destaca: entre seus últimos sucessos, estão a versão burtoniana de Alice no País das Maravilhas, Encontro Explosivo (com Cruise e Cameron) e o mais recente Malévola. Ou seja, “celebridades” é um assunto que Roth pode discutir com bastante propriedade porque efetivamente o conhece. No entanto, seu trabalho mais significativo como cineasta não alcançou o esperado sucesso de crítica que propunha, apesar de ter tido um bom desempenho nas bilheterias.

Os Queridinhos da América é um daqueles filmes que tinha tudo para ser um sucesso antes mesmo de seu lançamento. Afinal, o elenco selecionado era uma reunião dos maiores astros hollywoodianos na época. A começar, pela estrela maior: Julia Roberts, que acabara de receber o primeiro Oscar da carreira por sua atuação em Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento. Naquele momento, a simples menção do nome de Julia já era o suficiente para que um projeto fosse adiante – não à toa, o nome da atriz é o primeiro a se ver na tela, apesar de sua personagem ser praticamente uma secundária. Depois, há Catherine Zeta-Jones, sempre linda, um ano antes de coestrelar Chicago – pelo qual faturou o Oscar de melhor coadjuvante. O time masculino, por sua vez, conta com os simpáticos John Cusack e Billy Crystal – este último um dos principais apresentadores da cerimônia do Oscar e que também assina a produção e o roteiro do longa.

A premissa de Os Queridinhos da América é abordar o mundo das celebridades. O filme começa com uma espécie de reportagem que explica o porquê Gwen Harrison e Eddie Thomas (Catherine e Cusack, respectivamente) formam o casal mais famoso – e rentável – de Hollywood. Eles são jovens, bonitos, possuem uma ótima química na telona e seus trabalhos são campeões de bilheteria. Mas há um problema: Gwen, que se apaixonara por um ator espanhol, quer o divórcio imediato, enquanto Eddie se recupera da separação em um retiro espiritual. Se juntos o casal é imbatível, separados eles vão de mal a pior: o último filme de Gwen, por exemplo, foi um fiasco e a bela é constantemente massacrada pela crítica, enquanto Eddie apresenta um quadro psiquiátrico deplorável. É aí que surge Lee Philips (Billy Crystal), um experiente assessor de imprensa e produtor que tem a missão de mostrar à mídia que Gwen e Eddie estão ainda vivendo harmoniosamente para, assim, divulgar o novo filme do casal.

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A proposta, ao que tudo indica, é flagrar o que se passa nos bastidores da indústria cinematográfica, mas é um fato que Os Queridinhos da América acaba se mostrando muito mais uma comédia romântica. E mesmo como comédia romântica, o longa parece não funcionar. Apesar de possuir alguns momentos divertidos, o roteiro de Crystal não tem criatividade, além da ausência de piadas inteligentes que justifiquem o gênero. Isso fica mais evidente com a direção insegura de Joe Roth, que não possui o menor timing – nem como comédia nem como romance. Como resultado, o filme fica totalmente perdido: o romance entre Eddie e Kiki (assistente e irmã de Gwen) não convence, as tiradas são forçadas e algumas cenas são vergonhosas. E, contrariando as expectativas, nem mesmo o elenco estelar consegue salvar: Julia é apática, sem graça; Billy apenas refaz seu tipo clássico e Cusack é irritantemente extravagante. Salva-se aqui Catherine que, mesmo excessivamente caricata, é hilária na pele da atriz cheia de excentricidades.

No fim, com um design de produção conveniente com a proposta do filme e uma trilha sonora que até consegue dar um charme ao tentar alavancar o estilo cômico da trama, Os Queridinhos da América é até “agradável”. Não fará você suspirar com uma bela história de amor, não fará você se contorcer com piadas bem feitas e muito menos irá propor algum tipo de discussão sobre os bastidores do mundo das celebridades – mas vai cair como uma luva se você estiver procurando uma trama leve, sem compromisso. Com um imenso potencial, Os Queridinhos da América é um exemplo perfeito de como uma direção frouxa e um argumento fraco são capazes de estragar uma produção – mesmo com um elenco queridinho pelo público.