Saint Laurent (Saint Laurent)

Saint Laurent, de Bertrand Bonello, é a segunda produção francesa – no curto espaço de um ano – a tratar a biografia de um dos maiores artistas da moda de todos os tempos. Nesta fita, contudo, a difícil tarefa de encarnar o icônico estilista fica por conta do também francês Gaspard Ulliel, que com notável semelhança física a Laurent, consegue entregar um dos trabalhos mais significativos de sua filmografia.

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Saint Laurent concentra sua narrativa, de forma não linear, entre os anos de 1967 e 1976 – não à toa, o período mais importante da carreira de Yves. O filme retrata o lado profissional do artista e sua equipe, embora o fio condutor da trama seja a relação de Yves com Pierre Berger, parceiro e sócio responsável por grande parte do sucesso comercial da marca YSL. Aborda-se ainda a tórrida relação do estilista com Jacques de Bascher (que o levou a conhecer de perto o submundo parisiense, regado a álcool, drogas e sexo). Consequentemente, é aqui que encontramos os melhores e mais atraentes trechos do longa. Fugindo das cinebiografias convencionais (contadas, em sua maioria, linearmente), Bonello opta por mostrar esses diferentes momentos da vida de Yves, consequentemente quebrando a relação entre os fatos (causa/efeito). Já ao final, no entanto, o diretor escolhe filmar Yves em seus últimos dias (vivido aqui pelo talentoso Helmut Berger), já recluso como celebridade que era e envolto a todo império que criou.

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Gaspard Ulliel, incrivelmente parecido com o original (e aqui se destaca a ótima maquiagem), é excelente em sua atuação. Seus gestos e olhares são precisos, transmitindo melancolia, discrição e a sofisticação tão comum a Yves. Mesmo nos momentos mais “darks”, Ulliel tem um comportamento elegante em cena, nunca perdendo sua pose aristocrática. Jeremie Renier também é sóbrio e conciso na construção de Pierre Barger – estranhamente, o filme não mostra os dois como um “casal”, muito menos aborda o rompimento entre eles, no auge do sucesso, em 1976. Léa Seydoux e Aymeline Valade abrilhantam o elenco feminino, vivendo duas das belas musas inspiradoras do artista – respectivamente, Loulou de La Falaise e Betty Catroux. Enquanto a primeira traz luz à cada aparição devido ao encantador charme de sua intérprete, Valade consegue ser excessivamente sensual em cena – protagonizando  uma das sequências de dança mais interessantes que já pude assistir. Quem surpreende, no entanto, é Louis Garrel – o ator fetiche francês que, após uma série de personagens enfadonhos e com a mesma “cara”, empresta um charme (caricato por vezes, mas irresistível) a Jaccques de Bascher.

Saint Laurent foi escolhido como representante francês – e forte candidato – a uma vaga entre os cinco finalistas na categoria de melhor filme estrangeiro no próximo Oscar. Saint Laurent peca, talvez, por sua duração que acaba cansando e por ser totalmente fechado na figura do estilista, deixando de lados alguns momentos e personalidades que poderiam trazer mais profundidade à história. Saint Laurent é realista, o que se percebe claramente no vestuário, na reconstituição de cenários, na fotografia, na música que ajudam a evocar todo espírito da época. Curiosamente, a obra de Bonello tira o primeiro nome do artista e se inicia com “Saint”, que em francês pode ser traduzido por “santo” – justamente o oposto da personalidade implacável de Yves.

A Bela e a Fera (La Belle et la Bête)

Desde 2010, com o sucesso épico do burtoniano Alice no País das Maravilhas, o cinema não parou mais de produzir novas versões (especialmente em live action) de alguns clássicos infantis. De lá para cá, podemos citar a trama dos irmãos João e Maria (João e Maria: Caçadores de Bruxas, 2013), a história da sofrida Branca de Neve (que ganhou os filmes Branca de Neve e o Caçador e Espelho, Espelho Meu, lançados quase simultaneamente, em 2012), as aventuras de João e seu pé de feijão mágico (com Jack, o Caçador de Gigantes, de 2013) e as maldades da madrasta de Cinderela (no mais recente Malévola, de 2014). No entanto, com exceção deste último, todas essas versões (que em geral faturaram muito em bilheteria) não receberam críticas muito amistosas – e dessa forma, a releitura francesa para A Bela e a Fera veio como um tapa certeiro na cara de Hollywood.

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Neste novo filme (baseado no original que, pouca gente sabe, é francês – escrito no século XVIII por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve), Bela é uma dos seis filhos de um próspero comerciante que, de uma hora para outra, perde toda sua fortuna por conta de um desastre marítimo. A família se vê obrigada a mudar para uma casa menor, longe da agitação da cidade grande, onde vivem modestamente apesar dos constantes protestos das irmãs mesquinhas de Bela. O pai, em uma tentativa de alavancar os negócios da família, se perde em uma tempestade e vai parar em um castelo, onde se torna refém de um terrível monstro após “roubar” uma rosa para sua filha mais querida – obviamente, Bela. Quando o pai retorna à casa da família apenas para se despedir dos filhos, Bela decide se oferecer como prisioneira no lugar do pai – e daí pra frente é tudo aquilo que já conhecemos.

A direção fica por conta do competente Christophe Gans, do elogiado O Pacto dos Lobos, de 2001. Gans (que também assina o roteiro) apresenta um trabalho bastante equilibrado e homogêneo, sem altos ou baixos que mereçam ser destacados – com exceção, talvez, do tom fabular que em determinados momentos são exagerados, mas que não comprometem o resultado final. A trama é envolvente e a narrativa se desdobra muito bem no decorrer de suas quase duas horas. Além disso, tecnicamente a produção é caprichada: do belíssimo design de produção aos figurinos e cenários (quase todos digitais, é verdade, porém magníficos), tudo contribui para um filme visualmente atrativo.

Léa, a nova “queridinha” do cinema francês (principalmente após o polêmico Azul é a Cor Mais Quente) está encantadora diante das telas – apesar da estranha sensação que tenho de que ela sempre tem a mesma expressão. Já o veterano Cassel é competente e mostra boa forma para um quase cinquentão. Juntos, no entanto, me pareceu faltar carisma ao casal – ao menos, a química entre eles não me convenceu. Os demais nomes do elenco cumprem bem a proposta exigida – inclusive as criaturas “fofas” que Bela encontra no castelo (uma tentativa clara de suprir a falta dos simpáticos personagens mágicos da versão Disney).

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De forma geral, este A Bela e a Fera não é uma obra-prima – e está muito longe de ser. Mas é um filme que funciona bem para o seu propósito, surpreendendo por se igualar a qualquer superprodução norte-americana do gênero. Se compararmos esta refilmagem com as outras que citamos no início (ou mesmo outras que deixamos de lado), chegaremos ao fatídico fato de que ela não perde em nenhum aspecto. Pelo contrário: A Bela e a Fera demonstra a total maturidade que só o cinema francês possui, com um texto bem escrito, um trabalho técnico impecável e, claro, uma identidade única. Alguns podem argumentar que este A Bela e a Fera foge um pouco do “padrão francês de se fazer filme” e escorrega ali e aqui em seu tom – e eu posso até concordar, mas de forma positiva. A Bela e a Fera de Christophe Gans não é uma típica produção francesa, mas acerta em cheio ao tentar fazer cinema como Hollywood achava que só ela sabia fazer.