Desde 2010, com o sucesso épico do burtoniano Alice no País das Maravilhas, o cinema não parou mais de produzir novas versões (especialmente em live action) de alguns clássicos infantis. De lá para cá, podemos citar a trama dos irmãos João e Maria (João e Maria: Caçadores de Bruxas, 2013), a história da sofrida Branca de Neve (que ganhou os filmes Branca de Neve e o Caçador e Espelho, Espelho Meu, lançados quase simultaneamente, em 2012), as aventuras de João e seu pé de feijão mágico (com Jack, o Caçador de Gigantes, de 2013) e as maldades da madrasta de Cinderela (no mais recente Malévola, de 2014). No entanto, com exceção deste último, todas essas versões (que em geral faturaram muito em bilheteria) não receberam críticas muito amistosas – e dessa forma, a releitura francesa para A Bela e a Fera veio como um tapa certeiro na cara de Hollywood.
Neste novo filme (baseado no original que, pouca gente sabe, é francês – escrito no século XVIII por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve), Bela é uma dos seis filhos de um próspero comerciante que, de uma hora para outra, perde toda sua fortuna por conta de um desastre marítimo. A família se vê obrigada a mudar para uma casa menor, longe da agitação da cidade grande, onde vivem modestamente apesar dos constantes protestos das irmãs mesquinhas de Bela. O pai, em uma tentativa de alavancar os negócios da família, se perde em uma tempestade e vai parar em um castelo, onde se torna refém de um terrível monstro após “roubar” uma rosa para sua filha mais querida – obviamente, Bela. Quando o pai retorna à casa da família apenas para se despedir dos filhos, Bela decide se oferecer como prisioneira no lugar do pai – e daí pra frente é tudo aquilo que já conhecemos.
A direção fica por conta do competente Christophe Gans, do elogiado O Pacto dos Lobos, de 2001. Gans (que também assina o roteiro) apresenta um trabalho bastante equilibrado e homogêneo, sem altos ou baixos que mereçam ser destacados – com exceção, talvez, do tom fabular que em determinados momentos são exagerados, mas que não comprometem o resultado final. A trama é envolvente e a narrativa se desdobra muito bem no decorrer de suas quase duas horas. Além disso, tecnicamente a produção é caprichada: do belíssimo design de produção aos figurinos e cenários (quase todos digitais, é verdade, porém magníficos), tudo contribui para um filme visualmente atrativo.
Léa, a nova “queridinha” do cinema francês (principalmente após o polêmico Azul é a Cor Mais Quente) está encantadora diante das telas – apesar da estranha sensação que tenho de que ela sempre tem a mesma expressão. Já o veterano Cassel é competente e mostra boa forma para um quase cinquentão. Juntos, no entanto, me pareceu faltar carisma ao casal – ao menos, a química entre eles não me convenceu. Os demais nomes do elenco cumprem bem a proposta exigida – inclusive as criaturas “fofas” que Bela encontra no castelo (uma tentativa clara de suprir a falta dos simpáticos personagens mágicos da versão Disney).
De forma geral, este A Bela e a Fera não é uma obra-prima – e está muito longe de ser. Mas é um filme que funciona bem para o seu propósito, surpreendendo por se igualar a qualquer superprodução norte-americana do gênero. Se compararmos esta refilmagem com as outras que citamos no início (ou mesmo outras que deixamos de lado), chegaremos ao fatídico fato de que ela não perde em nenhum aspecto. Pelo contrário: A Bela e a Fera demonstra a total maturidade que só o cinema francês possui, com um texto bem escrito, um trabalho técnico impecável e, claro, uma identidade única. Alguns podem argumentar que este A Bela e a Fera foge um pouco do “padrão francês de se fazer filme” e escorrega ali e aqui em seu tom – e eu posso até concordar, mas de forma positiva. A Bela e a Fera de Christophe Gans não é uma típica produção francesa, mas acerta em cheio ao tentar fazer cinema como Hollywood achava que só ela sabia fazer.