Há aqueles que o amam, há os que o detestam, mas não há como negar que Tim Burton é um cineasta, no mínimo, pop. Em suas estreias, sempre é possível ver as salas de cinemas carregadas, tanto por aqueles que o veneram quanto pelos haters que aguardam o menor deslize do diretor. Por mais que não se queira admitir, todos esperam alguma coisa de Tim Burton (seja boa ou ruim). Não à toa, Burton, apesar de ter uma obra um tanto irregular mas facilmente identificável, é um dos nomes do cinema mais populares de sua geração. Grandes Olhos, seu mais recente trabalho, é seu filme mais “sério” em anos (após uma sequência de fiascos e produções questionáveis) e também o que mais se distancia do universo que o artista criou e se tornou uma marca de sua filmografia.
Não sei dizer ao certo o quanto isso é bom – afinal, Burton nos apresentou a um mundo muito particular, cheio de fantasia, terror e imaginação, com seus personagens problemáticos, onde grotesco e belo se fundem. E é justamente isso que os fãs esperam quando assistem a um filme burtoniano. Portanto, é de se surpreender ver Burton dirigir a biografia de Margaret Keane, a artista plástica responsável por uma série de pinturas que foi uma das maiores sensações no mundo da arte durante os anos 50 e 60. No entanto, durante muito tempo a autoria dos quadros foi creditada a seu esposo – que também cuidava da divulgação e distribuição da obra. Anos depois, já separada de Walter, Margaret resolve processar o antigo companheiro e dar um fim às mentiras que carregou durante mais de uma década.
Com um orçamento modesto, estimado em míseros 10 milhões de dólares (uma ninharia perto dos 200 milhões de Alice in Wonderland, uma das maiores bilheterias do diretor – e por isso, há quem diga que isso é impossível conhecendo as extravagâncias de Burton), Grandes Olhos não é um longa burtoniano tradicional: tem um “Q” de filme alternativo, independente – muito diferente das megalomaníacas produções do cineasta. Grandes Olhos é o menos Tim Burton dos filmes de Tim Burton: é o mais maduro e, consequentemente, o menos extravagante de sua carreira. O universo burtoniano até está ali, mas em menor escala. A própria personagem principal é uma espécie de alter-ego de Tim: insegura, avessa à imprensa, tímida – um perfeito tipo burtoniano, ou seja, gente fora dos padrões convencionais (a cena em que Margaret fica constrangida ao ver seus desenhos sendo vendidos no supermercado é o mesmo que enxergar Burton retraído nas premiações em que participa, por exemplo). Margaret é tão insegura ao ponto de permitir que o marido assine suas pinturas – o que lhe asseguraria um bom casamento e a possibilidade de um futuro melhor para a filha (uma vez que Margaret já vinha de um relacionamento frustrado). Além disso, a história se passa nas décadas de 50 e 60 – e vale lembrar que, naquela época, “mulher” não tinha voz nem autonomia para nada e servia apenas para procriar e cuidar da casa e família. Logo, obra “de mulher” não vendia.
Enquanto Amy Adams é de uma sutileza incrível seja na voz e nos gestos (o que lhe rendeu um Globo de Ouro), Christoph Waltz, em uma desnecessária abordagem cômica, acaba aparecendo mais do que devia sem ter um personagem tão interessante quanto o de Amy. Em diversas vezes, era possível visualizar em sua performance resquícios de seu Hans Landa (de Bastardos Inglórios), com seu sarcasmo e humor ácido aflorando em trechos inoportunos. A tão comentada cena do tribunal poderia – e deveria! – ser incrível, não fosse o tom exacerbado de Waltz.
Costumo dizer que Burton tem três tipos de filmes: os ruins (Planetas dos Macacos, Sombras da Noite), os bons (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, Marte Ataca!) e os ótimos (Ed Wood, Peixe Grande, Edward – Mãos de Tesoura). Grandes Olhos está, a meu ver, na linha tênue entre o bom e o ótimo, com propensão ao primeiro. Possui um belo design de produção, fotografia e reconstituição de época, incluindo o figurino de Colleen Atwood. A trilha sonora do parceiro de longa data de Tim, Danny Elfman, também é precisa, apesar de nenhum trecho excepcional (PS.: se houve um grande momento musical na história, este se deve a Lana Del Rey, com sua incrível Big Eyes). Apesar de certas irregularidades (onde os defeitos de Burton como diretor ficam mais evidentes), Grandes Olhos é Burton fazendo cinema de “gente grande”, como Hollywood tanto prega. Nas mãos de qualquer outro cineasta, Grandes Olhos seria apenas mais uma história; com Tim, o filme se torna um curioso caso de superação e reconhecimento, provando que Burton sabe, sim, fazer cinema como qualquer outro e o faz quando e como quiser. Faltou pouco para Grandes Olhos ser uma obra-prima – talvez justamente aquele toque burtoniano que todo fã esperava…