Há muito tempo as animações deixaram de ser um gênero exclusivamente infantil. Seja pela técnica diferenciada ou mesmo pelas histórias criativas, as animações tem conquistado um público cada vez maior – de todas as idades, do garotão de oito anos ao vovô de oitenta. O francês A Pequena Loja de Suicídios, que estreia essa semana no país, tem tudo para ser o típico desenho que agrada a todos – mas especialmente aos adultos apaixonados por este tipo de cinema.
Baseada no romance homônimo de Jean Teulé, a história de A Pequena Loja de Suicídios se passa em mundo (não muito futuro) onde a depressão e a falta de esperança com a vida atingem praticamente toda a população. Nesse cenário cinzento, uma família ganha a vida vendendo artigos que auxiliam as pessoas a cometerem suicídio. No entanto, os negócios da família são ameaçados com o nascimento do filho caçula, que desde cedo demonstra ter um espírito feliz e alegre, contrastando com o restante da família que vive em completo estado de morbidez emocional. Os pais tentam a todo custo “consertar” o filho, ensinando-lhe que não há motivos para sorrir em meio a uma vida tão triste. O problema é que a felicidade do garoto aos poucos contagia não apenas a família, mas também aos moradores de toda aquela cidade – e tudo o que o garoto mais deseja é mudar aquele cenário catastrófico.
O grande mérito de A Pequena Loja de Suicídios é tratar um tema tão delicado de forma tão sensível. Aqui, ocorre um paradoxo: a trama é contada através de números musicais – e se você despreza este gênero, fica uma dica: assista, pois vai ser muito difícil você sair do cinema sem ter gostado do longa. Da mesma forma que Tim Burton fez em A Noiva Cadáver ou O Estranho Mundo de Jack, o diretor e roteirista Patrice Leconte criou com bastante êxito uma alegoria musical que contraria tudo o que podíamos esperar de um filme com esta temática. Se em A Noiva Cadáver, por exemplo, Burton deu cor e vida ao mundo dos mortos enquanto o mundo dos vivos era frio e infeliz, Leconte canta sobre o suicídio de forma tão alegre e entusiasmada enquanto na tela pessoas pulam dos prédios e se jogam na frente de caminhões. Essa cena inicial já é, por si só, um espetáculo.
O formato musical bem explorado fica ainda mais passível de admiração ao longo da trama. As músicas crescem no decorrer da história e ainda que o filme possua muitas cenas perturbadoras, as canções – que no início eram tristes e melancólicas – tornam-se um pouco mais otimistas. Essa mudança gradual é fruto de um roteiro muito rápido e inteligente, marcado por um humor negro que, ao contrário do que se possa esperar, não atrapalha nem incomoda. Pelo contrário: em meio à morbidez latente do início do filme, por exemplo, o que mais incomoda é o sorriso da criança recém-nascida.
Alem dos números musicais serem ótimos, os personagens são extremamente cativantes. A família principal é cômica e lembra muito os personagens daquele universo burtoniano que muita gente ama (aliás, é impossível assistir A Pequena Loja de Suicídios e não se remeter, inevitavelmente, à estética do cineasta), alem de ser muito graciosa. Outros pontos que merecem destaque no filme são a fotografia impecável e a direção de arte – que soube caracterizar muito bem todo o universo melancólico e sem esperança daquela cidade.
Em um mundo onde a taxa de suicídios cresce exponencialmente, A Pequena Loja de Suicídios se sobressai como uma animação que, apesar de não possuir muitos requintes, possui um tema muito interessante e que deve ser debatido. Apesar do desfecho óbvio (e da enrolação para chegar a tal), é de se apreciar que uma animação utilize tanta inteligência e criatividade para abordar um tema sério e necessário. A Pequena Loja de Suicídios é um musical trágico-cômico que perturba e é capaz de gerar algum tipo de debate, porém é intensamente belo. E para os que dizem que este filme não deve ser assistido por crianças, fico apenas com uma frase que é dita ao longo da trama: a vida é sempre melhor que a morte.