Geralmente, os contos de fadas se iniciam com a expressão “Era uma vez…” e se despedem com o célebre “…e viveram felizes para sempre”. Ao menos, foi assim que nossa cultural “cinematográfica” nos ensinou. Repare, por exemplo, na influência de Walt Disney: suas obras mais memoráveis são justamente os contos que povoaram a imaginação de cinéfilos ao longo das últimas décadas – o que contribuiu (e muito) para a criação de seu império. Mas as histórias Disney, definitivamente, estão muito longe de referenciar como deveriam o material que as originou. Princesas fofas? Heróis valentes? Animais antropomorfizados? Deixe isso de lado – e talvez assim você será capaz de apreciar como se deve o longa O Conto dos Contos.
O filme do italiano Matteo Garrone (Gomorra, de 2008) narra três tramas paralelas que envolvem os monarcas de três reinos diferentes. Na primeira delas, um rei mata um monstro marinho para roubar o coração da criatura e fazer sua esposa estéril engravidar. No segundo núcleo, um rei libertino se apaixona pela bela voz de uma camponesa, sem saber que na realidade sua “amada” é uma idosa. Finalmente no terceiro segmento, um rei viúvo cria sua filha adolescente, que deseja se casar e sair além dos muros do castelo.
Essas histórias são unidas apenas pela época em que ocorrem. Isso até chega, no início, a dificultar ligeiramente a compreensão do espectador que for ao cinema sem antes ter lido a sinopse, porque toda a ambientação parece muito igual. No entanto, conforme o filme caminha, cada um destes “contos” mantém sua estrutura própria e, consequentemente, seu devido clímax. Para além disso, há um certo equilíbrio entre as narrativas: em alguns momentos, é visível que algumas perdem um pouco o foco, dispersando a atenção do público; em compensação, outras começam a crescer (e mesmo surpreender) durante seu desenvolvimento.
Mas há ainda um upgrade: O Conto dos Contos é visualmente encantador. A fotografia do veterano polonês Peter Suschitzky já impressiona nos primeiros instantes, bem como toda a direção de arte do projeto. A trilha assinada pelo sempre competente Alexandre Desplat agrega bastante à atmosfera da fita, indo de pontos discretos a outros mais intensos com total naturalidade. Quanto à decupagem do cineasta, é importante observar uma coisa: diferente do que acontece nas tradicionais produções fantasiosas (vide O Senhor dos Anéis, por exemplo), que optam pelos constantes planos abertos de forma a destacar cenários exuberantes, O Conto dos Contos recorre a enquadramentos menores, o que valoriza a construção psicológica dos personagens e, consequentemente, a atuação do elenco estelar (com nomes como Salma Hayek, Toby Jones, Vincent Cassel e John C. Reilly).
A única ressalva de O Conto dos Contos é sua última parte. Fica evidente que uma história ganha maior tempo em seu desfecho, enquanto as demais ficam à deriva. A cena final soa apressada e com isso algumas brechas surgem (o que se resolveria com quinze minutos a mais de projeção), mas nada que estrague a ótima experiência que é O Conto dos Contos. O filme é uma aventura cheia de fantasia que certamente agrada aqueles que apreciam o gênero, especialmente por escolher apresentar uma visão mais adulta, grotesca e surreal de histórias que nos são entregues, em sua maioria, de maneira tão infantilizada. Esse é um dos grandes méritos de O Conto dos Contos, o que por si só já o torna um dos melhores filmes do ano.